Escrito...

A minha literatura diz e não diz: diz porque, no momento de aspersão inspiradora, (quase) se nota uma fisgada de incomodidade, uma crítica sutil, para que a poesia floresça... Não diz porque as inquietações são dialéticas - parte de cada leitor -, o que se vive, sonha, pensa e sente...

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

26 anos sem Dalcídio


                                           O escrito abaixo foi encontrado em meio a alguns documento antigos.
                                          A publicação aqui tende a salvá-lo como lembrança da homenagem da ASPELPP-DJ (feita por mim) quando dos 26 anos de morte do nosso  maior escritor.
 
Olhem eu aqui, pretenso escritor citando o nome Dalcídio, o Dal dos Menezes amigos; Dalcídio Jurandir, cuja fama atravessa os rincões dos campos (queimados ou alagados - terra e água)... Mas, eu nessa história?
          Pois é. Contava, sei lá, 13, 14 anos e aquela música tocava na barraca da dona Xixita (minha querida avó), na feira, em tempo de Círio; aquela canção vinda de um compacto de vinil do meu amigo Itamar anunciava o título "Chove nos campos de Cachoeira" e o nome "Dalcídio Jurandir", que retratava o cenário de Marajó onde nasceu. "Título", "livro"...; coisa que sempre me fascinou: livro! Lia como quem tinha/tem um segredo de mistério por decifrar o conteúdo feito com letras (e gravuras) de um mundo que cabe nas mãos - lia com prazer os livros que emprestava da escola Eureliana Monteiro, ou de amigos; prezava muito os didáticos. Aprendi a ler porque me via, talvez, sozinho e confuso (o que me pareceu depois), mas aprendi a ler principalmente pelos estudos, pelos conhecimentos e, claro, pelo desvendamento de mundos que, como já falei, assentavam no papel.
          Mas, então. Idos tempos, num centro médico em Belém, para uma consulta, uma conhecida - ponta-pedrense como eu (nasci em Belém, bem verdade, mas só porque minha avó confiou na medicina da capital) - vendia num tabuleiro, não de frutas nem de café completo , ela vendia livros, dicionários, enciclopédias. Ela me reconheceu e me chamou; cumprimentei-a e fiquei a olhar os livros, só olhei. Um senhor também dava uma olhadela; depois ele tirou da sacola que trazia debaixo do braço um livro que lançou no ar sem soltá-lo: "Livros, esse sim é coisa que se preze", disse, mostrando um título de Dalcídio Jurandir (possivelmente o "Chove" da Cejup), e terminou com "Este sim é bom e é nosso!". Notei que no tabuleiro da conterrânea não havia nenhum livro de autor paraense - parecia mais ser uma divulgação de grandes editoras de São Paulo e Rio. Esse fato inspirou-me a escrever a crõnica "O velho e o livro".
          Lembro-me de que me deparei pela primeira vez com a obra Marajó na biblioteca pública de Ponta de Pedras - esse fato me levou a escrever o conto "Quando encontrei Dalcídio", especialmente para o II Colóquio Dalcídio Jurandir em Ponta de Pedras, pela Aspelpp-DJ organizado: primeiro lugar; sim, folheando o Marajó me vi vagueando numa vila que muito parecia a minha cidade do meu jardim de infância, e era mesmo! Embrenhei-me na leitura; era, acredito, o único jovem ponta-pedrense que lia Dalcídio, porque no meu meio estudantil, quando eu falava de uma descoberta, de um tesouro num báu imenso (que era a biblioteca, ainda localizada na Prefeitura antes da "Queimada"), ninguém reconhecia o tal escritor, ninguém. E já que citei a Aspelpp-DJ, em janeiro de 2004, a professora Angelina Rodrigues (que fazia TCC na obra de Dalcídio) e eu tivemos a ideia de fundar uma entidade de professores que visassem trabalhar a obra dalcidiana no município e divulgar fora dele; nesse mesmo mês, um grupo de professores fundou a ASPELPP-DJ (Associação de Professores para Estudos Literários de Ponta de Pedras - Dalcídio Jurandir), que segue até hoje em suas funções primeiras e que até então tem sido fundamental para os eventos literários no município de Ponta de Pedras, contando com mais de 20 membros associados.
         Nos concursos literários por ocasião do aniversário de nossa cidadezinha, algumas vezes, lancei-me timidamente com o conto "Um ponta-pedrense sonhador", inspirado na primeira página de Chove; o conto citava os "campos de Dalcídio", e a personagem principal (o menino Beco - sonhador) mais parecia um Alfredo sem caroço de tucumã. Premiado, continuei escrevendo - coisa que já gostava muito de fazer; inspiração não me faltava, dadas as leituras que já tinha feito (e ainda iria fazer).
          Mais tarde, já professor em Santana do Arari, descobri outro livro com contos e poemas de escritores paraenses, lá estava Dalcídio com "O velho e o miritizeiro", que, assim como dera tamanha visão poética de Bibiano no traçado com cestos e paneiros a Alfredo, também encantou-me por essa e por outras imagens altamente singulares. Passei a trabalhar as narrativas dalcidianas (e depois de outros escritores ali presentes) daquele livro em minhas aulas de compreensão e interpretação de texto.
          Em 1997, acadêmico na universidade (UFPA), tive o prazer de conhecer a profª Drª Socorro Simões, quando de suas orientações acerca de coletâneas de narrativas populares; ela, entusiasmada (ou seria eu?), cumprimentou-me por eu ser da "terra de Dalcídio Jurandir!". Coincidência à parte, eu estava literariamente rodeado pelo criador do Ciclo do Extremo Norte - fato que aumentou meu interesse. No desfile escolar da Escola Municipal de Santana do Arari (onde eu fui diretor de 95 a 2003), homenageamos Dalcídio Jurandir pela primeira vez (isso, em âmbito municipal); dissemos nos cartazes que o Marajó tinha um grande nome na literatura! A partir de então, professores também começaram a buscar material sobre o tão ilustre escritor.
          De certa forma, influenciei amigos a lerem Dalcídio em Ponta de Pedras. Os meus discursos (em palestras, cerimônias de colação de grau, desfiles escolares etc.) falavam da importância do resgate desse autor ímpar da Amazônia - assim vi meu grito ecoar. Mas descobri em seguida que em Belém (e em outros lugares do Estado e até de outros Estados) havia pesquisadores empenhados nos estudos sobre a vida e obra de Dalcídio Jurandir, peço licença para citar alguns nomes como do escritor Benedito Nunes, dos pesquisadores Dr. Paulo Nunes, Drª Josse Fares, Drª Rosa Assis, Dr. Gunter Pressler, dentre outros tão importantes quanto. Gente do cânone literarário brasileiro como Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade (este poetou Dalcídio na campa molhada de chuva nascida em Ponta de Pedras e vinda dos campos de Cachoeira do Arari) falaram e/ou poetaram o nome, a obra de Dalcídio Jurandir. Faltava o povo de modo geral, e, especialmente o marajoara, conhecer a obra dalcidiana.
          Bem, Dalcídio remou magistralmente nos rios literários, adentrando nas densas matas da floresta encantada dos grandes mestres. Foi, conforme li na revista "Asas da palavra" (Unama) e em outros meios, uma luta árdua empenhada pelo escritor, que talvez chegasse a desanimá-lo; porém, o amor pelo ofício de escritor, o fascínio da urdidura literária em falar do Norte, dos rios, das pessoas, da cultura, por melhor dizer, também brasileira, acordavam o espírito genial desse conhecedor de nossa gente. Assim, nós, abrindo caminho no meio da ignorância popular, presamos por este escritor e por sua singular obra, contribuição artística valorosa para o conhecimento da humanidade.

Jonas Furtado