Escrito...

A minha literatura diz e não diz: diz porque, no momento de aspersão inspiradora, (quase) se nota uma fisgada de incomodidade, uma crítica sutil, para que a poesia floresça... Não diz porque as inquietações são dialéticas - parte de cada leitor -, o que se vive, sonha, pensa e sente...

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Tulê

Tipo folclórico aquele garoto que nos acompanhava nas aventuras pelas matas de Santana, de Tartarugueiro ou de Crairu. Muito contador de mentiras, diziam. Dava uma resposta simuladora, dissimulada, assim... de sério rosto e com a voz alta (mas sem grito), fazendo misuras com o rosto e com as mãos.
Sua primeira façanha surgiu quando teria uns 10 anos.
Jacaré era a alcunha de um dos maiores apanhadores de açaí das redondezas. Certa noite, Tulê ouviu meio de relance os velhos gabando-se do homem ligeiro das palmeiras. No dia seguinte, vindo do mato, o pequeno jurou ter visto um jacaré subido no açaizeiro. A mãe dele, contando o caso, suspirava: “Só o Tulê mesmo com essas histórias”. A próxima dele foi ter sido perseguido por um pé-grande quando colhia bacuri perto do cemitério de Santana: “Eu vi sim!” – terminou ele fazendo bico com a boca.
Outra vez, Balado, Tirico, Aparecido e eu resolvemos brincar com ele. Inventamos uma certa boiada que tinha surgido pelas redondezas.
_Tulê, viste então os bois passarem por aqui? – indagou o Tirico com jeito de quem tinha por dentro uma certeza da resposta.
_ Estão todos lá na beira do rio bebendo água, acabei de vir de lá.
As risadas admiradas jorraram de tamanha cara de pau do garoto.
Hoje, atento para as pequenas recordações, concluo que o pequeno mentiroso na verdade era um sonhador, um vislumbrado desse mundo que preferia enfeitar tudo com fantasias, demonstrando assim uma poesia latente.
Difícil compreender o ocorrido com ele depois daqueles dias, daqueles anos felizes. Melhor mesmo nem contar.

Nascido na cidade

Eu, com meus nove anos, certa vez li na minha certidão de nascimento: “nascido a 17 de julho... na cidade de Santana do Arari”. Foi um orgulho essa descoberta; passei a ser menino de cidade e não de vila, de comunidade. Era diferente então dos meninos do Tartarugueiro, do Crairu, de Santa Maria, de Porto Santo, porque eu nasci numa cidade, e eles pertenciam as suas comunidades. Comunidades de Santana do Arari.
          Quando íamos brincar de bola no Tartarugueiro, na verdade sentia-me num sítio de Santana. Nada diferente. Mas eu imaginava uma distinção entre a minha cidade e seus interiores. Em alguma disputa mais acirrada, poderia me valer do brio de ser de cidade e eles não, e queria jogar essa na cara dos meninos das comunidades vizinhas, mas sempre amolecia e expulsava essa vontade da minha mente. Algumas pessoas diziam que eu parecia com o finado Rildo; ele é lembrado como um rapaz justo e generoso. Morreu jovem - acidente num jogo de futebol.
Só com dez anos e meio descobri que o homem do cartório em Belém, onde minha mãe me registrou, se enganou.
          _Não, o Ediberto Filho não nasceu aqui, seu moço, ele nasceu foi em Santana do Arari mesmo.
E o “seu moço” (porque será que penso no homem do cartório como um ser burocrático, metido a doutorzinho de meia tigela?) assentou “cidade”. Tinha era que ter estudado como eu estudo, o velho. Ou que perguntasse, pesquisasse. Ainda ouço reclamações de pais de alguns amigos meus que o escrevente tinha errado a grafia dos nomes deles. Eles levavam o nome anotado para o carrancudo não cometer “lapsos”. Isso de nome é muito íntimo das famílias. Trata-se de nossa primeira documentação, o comprovante de nossa existência social. Quem não gosta do nome quer trocar. Ainda bem que o meu é o de meu pai. Não troco.
          Pois sim. E o homem sério atrás da máquina datilográfica, em sua praticante ignorância, me deu um ano e seis meses de menino de urbe.
          Depois, fui mesmo aceitando o fato. Santana é só uma vila, uma comunidade do município de Ponta de Pedras. Aliviava-me por não ter debochado dos meninos do Tartarugueiro.
          Antes da chegada dos professores para implantação do Ensino Fundamental, parecia que mais pertencíamos à Cachoeira do Arari, pelas paradas dos barcos no trapiche aguardando a maré, pelo rio Arari... A cuidar, muita gente nossa daqui nasceu em Cachoeira. Porque tinha parente, porque o padre convidou, porque tinha uma nesga de terra acolá para casamento com filho ou filha do lugar. Minha mãe nasceu em Ponta de Pedras, na cidade mesmo. E meu pai era cachoeirense dali do Caracará. Ele veio numa festa do círio de Santa Ana e botou olhos naquela negra arredia. “Pôs olho em mim e não foi fácil!”, gabava-se ela. Acabou cedendo aos galanteios do jovem Ediberto Silva. Ah, isso quase dá fuzuê. Minha mãe tinha outro pretendente, dizia...
          Já eu nasci aqui na comunidade. A dona Joana, parteira velha, foi chamada à boca da noite para ver se eu nascia. “Nasce, sim!”, garantia ela na sua exclamação de sempre sentir a vida uma maravilha única. E era. Mas na dúvida, papai arranjou embarcação para levar dona Marica para Cachoeira. Nem foi preciso; nasci ali mesmo em casa, pelas mãos da velha parteira.
          _Não disse?! Homem!
          Então, essa de me orgulhar de minha cidade, a maré levou, o vento soprou para os recantos da lembrança quase esquecida. Acho que foi um sentimento de frustração o que senti depois.
Mas, à medida que eu aprendo e cresço, minha imaginação quer me levar para muitos lugares, outras cidades; e eu vou, ainda que sem sair de Santana.

sábado, 31 de outubro de 2009

A viagem

Álvaro Campos é o meu nome, doutor...? Gabriel, mas pode me chamar de Campos. As pessoas me chamam assim. Pensam que é pelo fato de eu morar no lado do campo; algumas até esquecem o “s”: “Campo”, “Bom dia, senhor Campo”, “Fale com seu Campo...”.
          Como posso compreender o que houve?
         Juro, doutor, que não sofro de nenhum complexo, nem mesmo usufruo de pensamentos mórbidos. Alguns pesadelos de outrora são, hoje, fantasmas bem enterrados.
          Não me assombra mais a cabeça gigante de sombra pintando-se no meu quarto (apenas dormia de mau jeito naquela noite); o velho que carrega criança no saco não passa de brincadeira mítica pra criança obedecer; matinta-perera é pássaro que nunca me afrontou, nem em sonhos sequer; sereia é história de pescador, é lenda, assim como da uiara, do curupira, do boto que vira gente; definitivamente, doutor, dessas tolices estou curado. Cobra-grande existe. Meu padrinho viu uma!
          Brinco com sombras projetadas na parede à noite; arremedo o assobio de qualquer ave e esse negócio de agouro é bobagem das mais puras; formiga dentro de casa, acabo com óleo diesel; presságios relacionam-se ao sexto sentido, acredito. Nunca mexi com os mortos, ah isso eu respeito, questão de dignidade: vou morrer também. Nisso sou cristão. Respeito qualquer religião ou seita. Sempre defendi a liberdade aliada à responsabilidade para que se possa ter uma boa convivência em sociedade.
           Por isso tudo, doutor, não acreditaria no que aconteceu se não tivesse sido comigo.
          Lembro-me de que... Ah, o senhor tem conhecimento... Pois sim. Minha esposa, Suzana é o nome dela, estava de viagem marcada a Belém para uma consulta médica. Sentia dores finas no peito e desconfiava de doença do coração. Difícil Suzana adoecer; sempre tão alegre e disposta. Descarto a possibilidade de ela ser hipocondríaca. Pois bem, na madrugada ela me acordou; tinha já arrumado tudo: sacolas e bolsa. Oraci, nosso filho, também estava pronto. Ele ia com ela. Não fosse o trabalho, eu iria junto. No entanto, eu deveria acompanhá-los até a lancha. Eram mais de duas horas. Suzana é acostumada a acordar cedo. Quando criança (contava ela), ajudava a mãe a lancear e nas despescas do matapi, “a que hora fosse”. Não temos despertador e se temos algum compromisso num horário desses, ela é o nosso relógio.
          Levantei. A luz da lamparina incumbia-se de nos orientar (a elétrica é interrompida sempre à uma, toda noite). Fitei, sonolento, o pequeno Oraci. Ele sorria em minha direção; apenas um lado de seu rosto me era visível. Tateei com os pés a procura de minhas sandálias: nada. Quase joguei o bibelô de gesso no fim do corredor ao passar para a sala: lá estavam as sandálias. Só deu tempo de passar o pente pelos cabelos. Saímos.
          “A rua está um breu!”, disse Suzana. Ainda pensei em algum personagem macabro e terrível do filme de terror a que assisti no “Domingo Maior”. Estaria atrás do muro do campo? Tomamos a Rodovia Mangabeira. Íamos andando apressados em direção à frente da cidade. Em Ponta de Pedras, o senhor sabe, cidade pequena do interior, tudo é perto: se vai a pé. Quando percebi, já havíamos chegado ao trapiche. Despedimo-nos. O “Malato” desatracou (não estava totalmente lotado) e desapareceu no cortinado da noite.
          Tomei o caminho de volta. No relógio da igreja da praça da Matriz soaram três horas. Poucos passos ouviam-se no escuro. O vigia da feira anunciava com seu apito que estava no seu posto. Prossegui; em frente à Prefeitura notei que o cajueiro ao lado dela formava uma “monstra” sombra no ar, misteriosa – seria assombração? Besteira!
          Desci pela calçada do cemitério (na vinda nem me dei conta de que passamos por ele); talvez devesse tomar a 30 de Abril, cambaria lá adiante e em frente da oficina (trabalho lá) entraria na Itaguari, virando logo à esquerda, na rua em que moro, no lado do campo: na rua do campo, como chamamos; assim como damos apelido às pessoas, as ruas também ganham apelidos e seus nomes ficam no esquecimento. Mas como eu dizia... Não tomei o trajeto planejado. O medo, doutor, já disse, não mais fazia parte de meu parco vocabulário. Continuei pelo cemitério (afinal estava indo para casa!). Antes que a calçada terminasse, cuidei de pegar a estrada (o mesmo caminho da vinda). Caminhava ao lado do cemitério; uma olhadela pelos cantos dos olhos revelou-me algumas cruzes e um gato no muro ou sombra de um. Aumentei o compasso dos meus passos no instante em que ouvi um assovio (assim, mavioso) ecoando em várias direções – alguma ave noturna, achei – não. Seguiu-se outro, e dessa vez tive a certeza de que eram assovios de gente. Repreendi meus pensamentos. Imagens do filme povoaram novamente minha imaginação. Continuei agora mais tenso. Virei à rua de casa e em poucos segundos varei o portão. Por um momento tive a impressão de estar sendo seguido. Abri a porta e entrei.
          Acendi a lamparina; deixei-a no corredor, na entrada do quarto para que ele não ficasse totalmente escuro... Deitei.
Deu-me vontade de ir ao banheiro, mas estava realmente cansado. Fiquei relutando e esperando um brusco movimento de meu corpo que me pusesse de pé, quando ouvi o portão ranger. Seria o dono daqueles assovios? Não! Fiquei em alerta. Senti que a porta da frente se abriu e o esperado movimento brusco finalmente me joga da cama. Caminhei com cautela até o corredor: era Suzana de volta, dizendo que a embarcação sofrera pane: “Foi no motor, perto do farol”. Mas, não me lembrava de ter dormido e, no entanto, nem vi o tempo passar. Contemplei por um momento seu rosto, pálido pela luz escassa, talvez. Havia um não-sei-quê de sinistro acontecendo, notei. Ou eu deveria estar mesmo morrendo de sono.
          Tinha sido uma semana cheia, com dias exaustivos: carrega tábuas, lixa móveis, prega trincos, cola peças; sem contar o barulho ensurdecedor das máquinas serrando, plainando, torneando, furando... Era pra tanto! Vida de marceneiro...
          A bexiga anunciava aperto maior. Aproveitei e fui ao banheiro; difícil admitir que poderia estar com uma ponta de medo. Não! Isso é coisa pra criança. Meu finado avô, doutor, certa vez me disse que “o medo é a gente mesmo quem faz”. Sim, abri a porta dos fundos (o banheiro fica a poucos metros da cozinha, no quintal). A escuridão era intensa; orientei-me pelo costume de sempre ir ao banheiro à noite. Tivesse algumas estrelas, seria de bom grado um presente celeste naquele momento...
          “Isso é coisa pra criança”, pensei novamente no medo que poderia estar sentindo. Enquanto mijava, o apito do vigia da feira me veio à lembrança como que querendo me tirar de um transe: foi assim que percebi que Oraci não tinha voltado com Suzana. Por quê?... Deixei o banheiro e, atarantado como formiga doida, tomei da lamparina e entrei no quarto. Antes que entrasse, eu já perguntava pelo nosso filho. Suzana levantou-se (estava sentada junto ao espelho da penteadeira) e sussurrou “meu coração...” com voz serena “ele viajou...”. A luz encheu seu rosto e fiquei perplexo!
          Não pude compreender o que houve, doutor, mas ela estava sem um lado dos olhos, e os ossos da mandíbula sem a proteção da pele. Acho que desmaiei.
         O que realmente aconteceu, doutor Gabriel? Sonhando profundamente? Mas, era tão real... E minha esposa, meu filho, onde estão? Por que não vêm me ver? E se era só um pesadelo, o que faço num hospital? Fiz uma viagem? Que viagem...?
          _ Acorda, Álvaro. Está na hora. Já estamos prontos! ...

domingo, 6 de setembro de 2009

Minha infância

Foi um tempo quase desconhecido para mim, não fosse a curiosidade pelos mistérios do mundo a minha volta. Anos 70, começo dos 80. As lembranças me vêm agregadas à saudade; um desejo de reencontrar-me criança invade-me numa esperança de viver novamente aqueles dias fagueiros, de verdades e fantasias; preencher assim lacunas das quais minha memória deixou de se incumbir.
          Em minha Ponta de Pedras vivi pontas de sonhos imensuráveis, abstrações que nem a realidade (quase sempre dura como pedra) pode dissipar por completo; e fatos reais misturam-se ao mágico desabrochar do menino na terra querida dos seus avós. Ponta de Pedras sou eu e as pessoas a ponto de encontrá-la sempre menina, sempre princesa em memória de vida... Vejo-me ainda menino, lá no Cucuira, ouvindo os velhos chamá-la de Itaguari! “Dé onde tu vem? Dé Itaguari!” Velhos tempos em que passávamos o dia lá no terreno do finado Binga debulhando açaí e ouvindo casos sem fim.
           Lembro como lances fotográficos... Ao redor de mim, as coisas que faziam o coraçãozinho pular veemente por ter vontade de mais e mais viver. Viver as ruas, as casas, as gentes e suas histórias: viver-me!
          Uma vez, assustado, corri para minha avó: “Meu coração está batendo!“, aí vinha aquele sorriso cheio de bonomia, clareando o rosto bonachão, querendo me fazer entender que era normal : “ É porque tu tá vivo...”. As justificativas tornavam-se incisivas para que eu parasse de indagar e cada vez mais eu indagava: “Por quê?”.
          Minha ‘vozinha. Lembro-me dela fazendo pastilhas de coco para festinha do jardim de infância: “Professora Sônia vai adorar me ver vestido de quadrilha“, com aquele bigode de pó de carvão, “parecendo homenzinho já feito”, de chapéu de palha e calça enfeitados.
          O jardim... Meu primeiro amor. Funcionava lá onde é hoje o seminário dos padres. Quanta felicidade: brinquedos, o uniforme quadriculado, as festas infantis e a professora! Uma vez, meu irmão transferiu-se para minha classe com sua autoridade inocente de criança (queria também a mesma professora?). Não teve jeito: ficou transferido! Minha irmã acostumou-se com a dela; íamos os três, juntos, e voltávamos alegres, com a roupa suja do “escorrega-bundas”.
          Agora, com meus dezoito anos, lembro e comento do quanto minha cidadezinha mudou! As ruas perderam aquele segredo de levar-me aonde? E o boi do Mangote que fim levou? que não o vejo mais arrastando sua carroça na lida do dia-a-dia. As casas, algumas ainda possuem uns quês antigos do tempo querendo falar através delas; os comércios, as tabernas tinham jeito de começo de século, jeito e cheiro – ainda posso sentir a borracha, o pirarucu, a piranha salgada que vinha do Arari impregnando o ar lá na “Casa da Prosperidade” do senhor “Nemorino”: ele fazia questão de uma cuiona de mingau de milho branco lá da dona “Xixita”. Lembro-me vagamente de outras casas, com fachadas tipo colonial, com seus grandes nomes. Nomes que pareciam querer revelar um pouco de seus donos: “Casa da Beira” e o “Ponto Certo” – os práticos; “Casa Tavares” e “Farmácia Alencar”– os tradicionais; “Canto do Uirapuru” – os poéticos; “Casa Nossa Senhora da Conceição” – os devotos; “King Bar” e “Big Bar” – os modernos...
          Por detrás da “Casa Tavares”, os foguetes chiavam e ganhavam espaço, explodindo anúncios de folguedo e arraial, avisando os ribeirinhos do Marajó-açu em dias festivos. Ficava de longe. O estouro me amedrontava; mas acompanhava o trajeto dos rabos vindo mergulhar na água qual ave pescadora atrás do marisco.
          As canoas aportavam na rampa, cheias de utensílios artesanais: alguidar e potes, chapéu de palha e esteira, rosquinha e mel... “Compre um potinho de mel pra comer com farinha”; outras, com frutas: banana, pupunha, manga, bacuri, piquiá, cupuaçu e tantas mais que enchiam o ar de “marajoareidade” – como dizia meu tio na sua sabedoria interiorana. E ficava observando as canoas indo e vindo; no meu pensamento, eu as controlava; exceto a maior de todas: o “Raimundo Malato” – o “Barco da Linha”. Às vezes achava o rio pequeno demais para ele. Minha avó dizia que as coisas é que eram enormes para o meu olhar infantil.
          Lá no quintal... Tivemos vários quintais; em cada um havia um segredo que eu teimava em não descobrir para não “quebrar o encanto”, apenas vivia-os. Lá, imaginava o mesmo movimento no porto e na feira: os mesmos barquinhos (agora de papel) deslizando na água que escorria da torneira do banheiro ou da enxurrada que molhava todo o terreiro: “tun-tun-tun-tun-tun”. E eles encostavam ligeiros no trapiche imaginário dos meus sonhos.
          Moramos no lado do campo de futebol. O barulho das torcidas em dias de jogos enchia-me de um querer torcer também. Mas para quem? “Quem joga? Quem ganha?”; e me empurrava atrás dos maiores, mangueira acima. De lá se vivia a mesma euforia; no entanto, nunca consegui distinguir, daquele ângulo, quem era quem! “O que tu entende de time!?”. Sem falar do quanto eram perigosos aqueles galhos finos; mas o quê? Peraltices não vêem perigos...
          De manhãzinha lá ia eu comprar manteiga e pão no seu Raimundo "Prego". Ele: "Quanto?", e mostrando dinheiro: "Isso". Boas-tardes podiam ser ouvidas do “Jereba” que passava na rua com saco de cocos nas costas – “Boa tarde!”- mas eu corria... Ah, quanta saudade!
          Outra lembrança inesquecível: a “baiúca” do seu Joaquim. Quase todas as tardes (ou manhãs) lá estava eu com a palavra “Big-bol” na boca; e quando não tinha dinheiro, ele me entregava um. Talvez fosse por isso que sempre o achei com “cara de bom-velhinho”. Localizava-se onde hoje é a casa do Francisco Pereira; depois se mudou para frente do banco, debaixo de um jambeiro frondoso; agora é no “coretinho”, na mesma pracinha. Ainda vende bombons!
          Alguns raros domingos, minha tia nos levava (meus irmãos e eu) para a praia – era uma alegria só! Íamos de ônibus. Não sei se era dos famosos “ônibus do Cícero”; deveria ser, pois de lá pra cá nunca ouvi falar em tais com outras designações. Era uma maravilha! O vento soprando no rosto pela estrada, esvoaçando os cabelos finos que me caiam na testa. Deslumbrava-me com as árvores e os campos passando e nem sabia que quem passava era a gente. Praia de Mangabeira: os coqueiros, os ventos, as ondas, a areia, alguns botes passando ao longe, “lá forão” – como disse um colega uma vez. E brincava na água com o sol a pino. Às vezes subíamos e andávamos atrás de mangaba até certo ponto da estrada...
          Todas essas lembranças, as histórias e seus personagens reais, tudo motiva o encanto que por Ponta de Pedras sempre guardei; tudo me dá orgulho nessa terrinha, terrazinha que sempre amei.
(1º lugar no concurso litário de Ponta de Pedras)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Uma história de boto

“O boto é um animal manso e brincalhão”, exemplifica um dicionário. De fato, ouvi casos no interior onde trabalho que denotam puras fanfarrices desses cetáceos pregando peças na imaginação das pessoas.
E “...altamente inteligente”, diz outro dicionário. Que valha a história que se segue.
          O casal de namorados escolheu o trapiche da vila para efetivar o ato que todos comentavam que eles já tinham realizado. “Se há a fama, que haja o feito”.
          A noite não poderia estar melhor, propícia para a defloração da planta que se vê em véus: com aquele céu límpido, mas ainda sem estrelas. Um desejo secreto pulsava naquele momento. Do mar soprava uma brisa constante e refrescante. Nenhum barco, nenhum fumante dessas bandas dando uma de pescador para atrapalhar. A menina exalava um calor sensual, e já quase nua esperava pelo gesto instintivo do rapaz que lhe ganhara a feição. Foi quando um estouro de água perto da escada bem debaixo deles deixou escapar um “chuá” que fez o casal mostrarem o amarelo dos pés, interrompendo o ato. O comentário na vila foi de que um boto tinha desaprovado aquela união porque já era enamorado da moça.
          Zé Bira foi quem alimentou a história dias consecutivos. O povo aceitou a explicação, mas teve quem seguisse o fato de que Zé Bira fora antes rejeitado pela moça, que não o quis paquerar. Isso foi antes. Passaram-se anos.
          E essa história de um boto rondando a casa da menina à noite veio ganhando ares.
         A dita cuja, depois de aparecer grávida do namorado, foi morar com ele numa casola de paxiúba na beira do igarapé.. De fato o casal, logo depois do ocorrido naquela noite, não tardou a entrar na vida sexual que tanto desejavam. Tiveram uma linda filha que mais parecia uma irmã gêmea da mãe quando criança, diziam. Tudo se ia como se vai.
          E a vida se passava pacatamente quando a mulher começou a definhar: médico não deu jeito! A história do boto que a assombrou quando solteira veio à tona: “O boto está visitando sua mulher, homem” diziam os amigos. O homem armou uma para pegar esse boto. Emprestou a espingarda do primo de Zé Bira e fingiu ir lanternar, ficando à espreita. Chegou a ouvir algo suspeito na água do igarapé perto da casa; o homem preparou a espingarda, no entanto nada viu. Repetiu a infeliz artimanha por mais algumas vezes e chegou a conclusão de que sua mulher estava mesmo era doente: mas nem remédio de médico nem de mestre! Faziam-lhe tudo quanto era chá e banhos, nenhum efeito; e o imaginário coletivo concluiu que fora o boto quem malvadou dela.
          Ah, qual mistério se esconde por detrás da índole de tão famigerado bicho?

Outra de boto

O conto “Uma história de boto” foi publicado no informativo que a escola da região mantinha. Os pasquins espalharam-se nas comunidades feito epidemia de cartas de parentes queridos.
               Num dia, Manoel, filho de nove anos de Zédalo, chegou da escola e atirou os cadernos e livros sobre a mesa da cozinha. O jornalzinho voou para as mãos do pai. “Assim tu trata do material, Manduca?! Tenha zelo, menino!” O pai segurou a folha. “Saiu o de junho!” Leu. Leu tudo. Leu o conto do boto.
               Josédalo, caboclo trabalhador, tinha mania de ler; não perdia os informativos da escola de seu filho. Lia de tudo: poesias, contos, mesmo que deles, às vezes, pouco entendesse. Aliás, costumava dizer que o gosto pela leitura era herança do pai, homem – também caboclo – apaixonado por mitologia. O nome “Josédalo” surgiu da discussão entre seus finados pais: a mãe queria homenagear o patriarca da Sagrada Família e o pai, o artista mitológico das asas de cera; num átimo de cordialidade concordaram em dar-lhe o híbrido nome “Josédalo”, ou Zédalo, como ficou conhecido no interior onde sempre morou.
              Zédalo freqüentou escola até as séries iniciais; não havia mais escola para ele na região. Sair não podia. Era arrumar mulher e filhos e se atirar na luta do dia-a-dia: apanhar açaí, tirar lenha, fazer carvão, preparar roçado, caçar e pescar. Porém, fazia gosto que seus filhos, Manoel e Ofélia, estudassem e fossem além dele. Viridiana, sua esposa, que andava doente, mofina, também aplaudia aquele interesse pelo conhecimento que Zédalo sempre fez questão de alimentar.
               Mas Zédalo mudou depois de ler o conto do boto. Aquele conto lhe abrira os olhos?
               Quando conheceu sua esposa, via nela a vida que pulsava e nunca cansava porque queria sentir na alma a glória de estar no mundo depois de, quando criança, ter escapado de uma grave pneumonia. Há algum tempo ela começou a andar cabisbaixa, suspirando pelos cantos, mostrando uma tristeza repentina. Numa caçada, certa noite, Zédalo desabafara com seu amigo Rodugo. “Sua mulher pode estar mesmo doente, home! Leva ela no mestre Ziu.” O povo é que já comentava que o boto judiara dela. “O boto anda visitando tua casa, Zé!”, “Tua mulhé tá mundiada do bicho tinhoso!” Zédalo queria que fosse ao médico; ela adiava. Já tinha tomado garrafada de pajé. Até trabalho para o tal bicho das águas e da terra ir embora foi feito. Nada. Tinha que ir ao médico!
               Um mês depois disso, Viridiana disse que estava grávida. Seria uma festa. O Zé sempre festejou o nascimento de um filho. Convidava o pessoal e armava a “mucura”; a maior peixada e camarão assado com açaí eram os tira-gostos da pinga de Abaeté – cachaça doce e apimentada! Mas dessa vez não. Da queda que sofrera de um açaizeiro, Zé conseguira manter a virilidade, mas não mais engravidaria sua esposa, conforme disse o médico. Só ele carregou o peso dessa notícia. Viridiana não ficou sabendo da esterilidade. Zédalo se conformou com os dois guris que já tinha.
               Todavia, a mulher ficou de barriga. Milagre! Não, não fizera nenhum pedido aos santos nesse sentido. Mas Viridiana grávida! Enganara-se o doutor comigo; serei pai de novo. Mas, os tais deferentes rompidos. Sentia-se, nas palavras de seu próprio pensamento, “capado”. A companheira ignorava o fato. Ela poderia desejar ter mais filhos...
               Viridiana mostrava traços arredios de maternidade lassa; a palidez desquarava o semblante outrora moreno e cheio de luz; a titinga deu sinal abaixo das orelhas e o brilho jovial da pele macia ofuscara-se – nuvens descontínuas amorteceram a estrela do dia.
               "O boto, home, anda visitando tua casa!”. As palavras das gentes tiniam na vontade de Zé. Tiniam agora insinuantes, porque até então aquela história do boto era choça para ele.
               Mais depois de ler o tal conto do boto no informativo, Zédalo mudou mesmo. Atinou para as freqüentes visitas que Rodugo ultimamente lhe fazia. Aparecia, principalmente, nas ausências do caboclo. Um pensamento de traição lhe assolava o corpo e a mente. Talvez não quisesse pensar assim. Infâmia. Traição. Rodugo e ele foram criados quase juntos. Não podia. Porém a raiva crescia no peito de Zédalo, o tórax estufava-se e comprimia-se, mandando rajadas de fúrias que fervilhavam nas veias e dirigiam-se frementes ao cérebro: “Rodugo era o boto filho da mãe!”.
               O homem, agora transformado, mudou o semblante, deixou o informativo sobre a mesa e, dirigindo-se ao igarapé na frente da casa, pulou em suas águas frias. Conteve por hora sua febre. Parou, pensou, decidiu...
               Disse à mulher que à noite iria lanternar; já tinha convidado Rodugo. “Vou caçar nem que seja um boto”, pensou, “Mato esse desgraçado”. Viridiana queixara-se como que temendo algo. Não teve jeito, à noite ele foi ao encontro do amigo.
               No meio do matão, Zé se volta (parecia controlado) para Rodugo que defende, com a mão esquerda, os olhos da luz da lanterna de Zé, que o encandeou.
               _Há quanto tempo tu me trai? Há quanto tempo, Dugo?
               Não esperou resposta. O aparente controle explodiu com o estampido da arma que crivou Rodugo com chumbos.
               _Ande, home, fale!
               Rodugo, cambaleante, se atira nos braços do amigo, movendo a cabeça para os dois lados. E morre.
               Zédalo nunca esqueceu o movimento da cabeça de Rodugo. “Queria dizer que não era verdade a acusação?”. Essa imagem o perseguia agora.
               Os parentes do morto conformaram-se. “Fora acidente”. “Fatalidade”. “Acontece”.
               Meses depois, Viridiana, sentindo dores, desatinada, jogou-se nas águas frias do rio Crairu. Deu à luz uma criatura horrenda. Contam meio cobra, meio peixe. “Feto mal-formado”, disse o enfermeiro do local. “Filho de boto”, comentou a veterana parteira.
               E Zédalo? Ele não parou mais de lanternar. Até hoje convida seu amigo Rodugo; e nunca chega com caça alguma.

domingo, 30 de agosto de 2009

O avião do dinheiro



_ Chegou o avião, Zeca. Hoje sai dinheiro.
          A turista que ouviu o comentário de dois amigos que conversavam ficou meio sem entender. O avião que acabava de pousar era para levá-la a Belém. Ponta de Pedras, permita que eu explique, entrou na rota do turismo. Vem gente de tudo quanto é parte. Até estrangeiro. Antes nos deparávamos só com italianos por conta dos padres. E quem tem visão é que se dá bem; quem tem visão e dinheiro. Uma boa pousada, um bom restaurante, sorvete com sabores “exóticos”, um bom táxi,... Eu tenho visão.
          Mas a turista a que me referi era uma professora-pesquisadora da universidade. Veio conhecer a terra de tantos ‘causos’; a terra que até escritor famoso agora tem, graças às investidas de estudantes e pesquisadores universitários para o reconhecimento do nome Dalcídio. O colégio novo tem o nome dele. Já não era sem tempo!
          _ Não era o avião, Zeca.
          _Devia ser um avião pra levar doente, Dico.
          Voltemos à professora. Ela pediu que seu aluno, e anfitrião, lhe explicasse essa do avião. Ficou sabendo que, em dias de pagamento do funcionalismo da rede municipal, todos tinham a certeza do dinheiro quando o avião atravessava a cidade, sobrevoando baixo em pouso. Fora isso, táxi aéreo na cidade? Só quando tem doente grave ou outros casos raros.
          _ Só desceu um, até agora, Dico. E nesse não veio.
          _ Só ouvi um também.
          Ih, eu nem me apresentei. Sou o taxista Mansão, o que conduziu a professora-turista ao campo de aviação. Veja só! Ponta de Pedras tem táxi. Está evoluindo. Claro que as corridas acontecem nas chegadas dos barcos e em chamadas como aquela da professora. O dinheiro quando entra traz progresso. Todos ganham?! Vale lembrar que para muitos esse progresso vem devagarzinho ou acaba nem vindo. Fruto de uma herança histórica. Quais as perspectivas de uma cidadezinha que cresce quase desordenadamente? “Meu filho precisa estudar; vamos morar na cidade!”, argumenta a cabocla que diz ter um terreno dentro de não sei que mato no Armazém, no Carnapijó, na rua Belém, ou na Lagoa Azul.
          Lembro-me da professora sugerindo ao seu aluno até que fizesse uma pesquisa sobre esses “peculiares” fatos populares do município. Não sei que peste de ‘examinação’ fez aquele garoto da dona Giloca que agora está metido a doutor. Quem não o conhecia chopeiro nos portões das escolas? Teve tino e estudou o menino.
          _ Avião, Zeca!
          _ Agora é, Dico.
         Uma outra vez, dia de pagamento também, os funcionários se alvoroçaram com o barulho de um teco-teco. Os comerciantes esfregavam as mãos gritando “Opa!” e davam tapinhas nas costas de seus auxiliares. Nas janelas e portas, nas repartições, ouviam-se “Desceu o avião”, “Sai à tarde” etc.
          _ Não era, Zeca.
          _ Era bem pra levar doente, de novo. É andaço que tá dando muito. O filhinho do Tião quase não volta.
          Pois é, tem dessas. Médico não deu jeito aqui? Belém, então. Muitas vezes o doente volta morto, e de lancha.
          Para inteirar, nesse dia desceu mais um avião, o terceiro.
          _ Te apronta, Dico. Agora é.
          _Só pode ser, agora!
         Era dinheiro sim, mas para o correio que fazia pagamento aos aposentados. A fila alcançava a esquina. Pensar que já tivemos dois bancos. Certas pessoas dizem que nossa terra é a “terra-do-já-teve”. Será que a borracha que chegava à Casa da Beira, ao Nemorino ou ao seu Paulino deixou tanta falta assim? Agora tanta coisa para construir e reconstruir! Erário pouco. Diminuiu emprego de cabide. Tem que fazer concurso! E quem tem precisa gerar!
          Funcionários que chegavam da zona rural perguntavam se havia saído dinheiro. Da esquina do mercado municipal fulano gritava “Não, só amanhã”.
          Dito e feito. Pela manhã todos estavam recebendo...
         _ Mas hoje não ouvi nenhum avião, Zeca.
         _ Nem eu, Dico. Nos de ontem não veio nada!
          O avião do dinheiro, desta vez, veio de barco.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

O homem que falava só

_ Estranho...
_ Estranhíssimo!
Em tempos tão modernos, é de se estranhar que exista alguém que viva isolado e envolto em mistérios. Mas lá para as bandas da comunidade de Santa Maria, Ponta de Pedras, um homem já idoso, magro, morando em uma palhoça, sozinho, desperta mirabolantes fantasias na imaginação do povo daquela região.
          Ele sai às 6h da manhã para o roçado; leva apenas uma latinha bem tampada e uma garrafa de água. Há quem diga que ele tem um olhar sofrido, misterioso e uma voz assim... zinha, de criança. Veste-se quase sempre com uma calça marrom, uma camisa de mangas compridas quadriculada e um chapéu de palha... Tudo bem usado, exceto as botas pretas que luzem com o sol. Volta quase sempre às 15h, cansado, porém disposto a fazer as coisas do lar.
          Naquele lugar, quase ermo, de frente para a baía de Marajó, seu Vico à natureza parece que pertence.
          Sempre calado; quando encontra alguém na mata, continua calado; um aceno de cabeça, olhos baixos: muito sutil o seu cumprimento. E assim o definem como algo ímpar, o descrevem às vezes com poderes sobrenaturais.
          _ Anormal...
          _ Anormalíssimo!
          Transmuta-se em bicho ou em toco de árvores, em sopro de vento ou pedra na beira do caminho... Mas sua maior fama é a de que ele fala só. Dizem que ele conversa com os espíritos de povos que por lá viveram, ou com os seres habitantes do matão.
          _ Espantoso...
          _ Espantosíssimo!
          “Uma gente cabocla, esquecida”, talvez seja o pensar dos náuticos quando avistam aquela palhoça habitando o lugar, com coqueiros dos lados, curvados em proteção a ela. Um morar cor de madeira e areia, céu e mar, onde os ventos chiam melancólicos como o andar daquele homem procurando, às vezes, o que na praia. Como se alimenta? Farinha, caça, pesca e frutas. Um índio matreiro que come mucura e cobra. Sua farmácia vem da própria terra: ar, água e fogo, alquimia interiorana na efusão de folhas e raízes para os males do corpo e da alma. E uma lenda se formou nas ilhargas do caboclo...
          _ Assustoso...
          _ Assustosíssimo!
          As estações passam e o ciclo anual se completa em um dado dia do outono com um festejo, seu aniversário talvez... Contemplam-se revoadas repentinas e cantos de bichos no fundo da floresta; é um arfar de viração mole, distante de quaisquer memórias, um mormaço telúrico investindo nas lembranças de outrora daquelas paragens; são as águas da baía ondulando e assinalando com suas pálpebras brancas acenos ritualísticos; folhas chacoalham nas árvores. Todo ano, diferente e igual. Na vizinhança o fenômeno chega difuso e longínquo, e a velharada sabida atiça o mito do feiticeiro que fala só. “Mais um ano de vida!”.
          Enfim...
          Vai que um dia, dois jovens amigos, um de Crairu e outro de Santana, de tanto ouvir as abusões sobre tal homem, como prova de coragem, foram averiguar aquele traçado no mato por onde ninguém ousava andar... Chegaram à palhoça antes da saída costumeira do dito ser. Sentiram um arrepio ao observar, quietos, à distância, aquela habitação que parecia inócua, mas que causava uma espécie de curioso alumbramento. Uma quase calmaria; a vista da praia era bonita naquele amanhecer, instigando bravuras.
          Os amigos se aproximaram, e o clima ameno se converteu nas mentes deles: uma palmeira acenou em reprovação, uma nuvem azulada surgiu, um canto lúgubre se ouvia ao longe. Uma voz quase infantil; o homem que falava só falava numa conversa tão natural com quem? Risadas, admiração, conselho... Era uma vozinha esperta. As palavras, porém, pouco inteligíveis se traduziam em pausas, ritmos, gradações..., cujos significados para os corajosos bisbilhoteiros eram os mais diversos. Num acento de covardia, os dois já partiam em fuga... Pararam! Deveriam voltar e desvendar aquele mistério de uma vez por todas! Ainda que receosos, voltaram. O homem, que falava só, ria... grunhia... ralhava... falava...
          E os dois, na espreita, esperaram o velho sair. Saiu um homenzinho sagico e moreno com uma latinha e uma garrafa. Os vigilantes se aproximaram por trás: no quintal, um poço sem cerca de proteção, alguns baldes de zinco e cuias ao lado; estendida num varal uma tarrafa; tudo rodeado por coqueiros novos. Sarapatados, os dois entraram: um fogareiro à lenha, uma caneca e duas panelas de alumínio penduradas por um cipó seco; um pote e um alguidar de barro a um canto. Uma parede de miriti separava a cozinha de uma espécie de quarto-sala. Nesse cômodo meio escuro, em outra parede, se podia ver uma fotografia amarelada cujo casal se assenta em cerimônia para a pose numa vigília eterna. Havia lá uma mesinha rústica bem talhada, um banco de madeira carcomida, uma rede de dormir pendurada no esteio do canto direito e, no canto esquerdo, uma prateleira escura... de onde vinha uma luzinha verde intermitente... Debaixo dela, num caixote, uma bateria grande de carro.
          Os aventureiros se aproximaram cuidadosos. Um trinado. Que susto!
Vararam uma janelota e mostraram o amarelo dos pés pela trilha da vinda, mata adentro. A natureza ria largamente enquanto o trino imitava a melodia de uma ave canora.
          _ Notável...
          _ Notabilíssimo!
by Jonas Furtado (6º lugar na II Amostra Literária do Governo do Estado)

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Biblioteca azul



Uma biblioteca. Isso o que todos devíamos ter. Alexandria me entristece; a Idade Média me entristece. Nossa prefeitura - guardava uma - já teve seu Nero. Tivesse como, teria uma biblioteca inteirinha, inteirinha: todas as ideias dos tempos, todo o pensamento do mundo! Uma biblioteca inteirinha satisfaria meu gosto. Livros por toda a vida que Deus me desse...!

Uma biblioteca... Mas onde a alojaria? Minha casa é pequena, pequena demais: uma salinha, um quartinho e uma cozinha; não daria... Casinha de madeira; vez por outra dava cupim. E uma biblioteca! Livros chamam cupins; sozinho não os venceria.

Sabe, uma casa pequena assim, cupinzável, não serviria mesmo. Ou poderia...? Uma biblioteca inteirinha, toda azul. Como? Só na minha cabeça! Ah, só na minha cabeça infantil caberia. Deus me desse tanta vida, caberia... Talvez me metamorfoseasse em cupim, um cupim azul... Nos anos 80 e 90, azul era minha cor predileta. Meu prato azul, meu copo azul, e a escola, e a roupa, e a mente... Um cupim azul. Leria como os cupins: seria inteligentíssimo. Um por um e, depois diria “Devorarei mais um”. Sempre mais um, até a biblioteca inteira... Mas uma biblioteca em casa? Não dá. Só na minha cabeça de 9 anos...

O tio era um tudo. E às vezes, carpinteiro; às vezes marceneiro. Dos dois um tudo! Biblioteca! As caixas de fruta da feira... Ele desmantelava, martelava, cortava e remartelava: prateleiras, suportes... Prateleiras eram para pratos como sapateiras para sapatos? A casinha ganhava era uma estante, a estante lembra livros. Eu ficava martelando aquilo. Biblioteca? Uma infinita! Só na minha cabeça...

Um dia acordei bem no meio do meu aniversário. Bolo? Refrigerantes? Balões? Havia era um livro grande e grosso em uma das prateleiras da estante, agora azul de cal e xadrez. Enciclopédia. O que é uma enciclopédia? Um volume apenas. Um volume de segunda feira na estante azul, que era a minha cor, azul-celeste. Estante celeste... E se há uma coisa que tem no céu é biblioteca com infinitas estantes azuis.

Avancei para cima do livrão – cupim esfaimado... Capa dura, miolo de branco-usado e conhecimentos azuis. Ali toda uma... infinita que não acabava mais!

(Biblioteca azul de J. Furtado – inédito)

terça-feira, 28 de julho de 2009

O inventor


Às crianças:
Igor e Vanessa, Jessé Jr. e Jéssica, Breno e Bruno


No “vendaval” da tarde, o menininho brincava com as folhas caídas das mangueiras de seu quintal. As folhas rodopiavam, desenhando poesia no ar.
Depois daquele momento, ele correu para os braços de sua avó e, com uma certa curiosidade de uns 5 pontos na escala sísmica, perguntou:
_ Vó, o que faz a natureza ter vento, então?
E ela, no seu sempre sorriso bonachão, responde:
_ Um imenso ventilador celeste!
O menininho desenhou o aparelho na sua imaginação. Ficou um minutinho pensativo e, com o semblante em interrogação, voltou-se para a avó novamente e...
_ Deus, meu filho, Deus! – disse ela tranquila antes da nova pergunta.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Um ponta-pedrense sonhador

Sentou-se à porta da frente. Sentiu o frio do chão de barro batido e olhou a mangueira do vizinho, frondosa e carregada. Abriu o livro (muito indicado pelo professor para o trabalho escolar) e começou a ler. Parou...
               Ficou pensativo. Imaginava os "campos queimados"; comparava-os com os "prados da Holanda", fechados de flores coloridas. Tinha consciência de que eram campos diferentes, e em sua imaginação, antagônicos. "Sim, antagônicos", bem como o professor explicou ao falar das personagens de um romance de que já não se lembrava mais. Porém, sonhava. O peito estufou-se de alegria, gozava de um pouco de satisfação.
               Mas, não conhecia Holanda e nem, ao menos, Cachoeira. Sentia-se pequeno. Era pequeno.
               Campo, ele conhece o de futebol, maior divertimento da comunidade. Quase toda tarde, reúnem-se os amigos e parentes para "aquele bate bola". As meninas na torcida gritam eufóricas: "Vai, Tirico. Não deixa esse perna-de-pau passar..." E arrumava-se a farra.
               Conhece também o campo de pouso da comunidade no qual aterrissavam pequenos aviões (teco-tecos, como são conhecidos), o mais longo que até o momento ele conseguira conceber. Cerrado por falta de zelo e de uso ("mais de uso"); o campo de pouso nunca mais viveu a folia que era quando um teco-teco baixava para uma visita ou realização de algum trabalho. Nenhuma pessoa importante, nenhum político. E candidato agora, em época de eleições, vem de voadeira.
               Ah! Sim, estava esquecendo-se da emoção que sentia ao ver um avião manobrar sobre as casas, alvoroçando o lugar. Um amigo (o Balado), doido na carreira, varava a cozinha de dona Marica, berrando "Beco, Beco! Avião, vamo vê", e saíam acompanhando o barulho que o "bicho" fazia. Beco deixava a monotonia dos dias em que nada acontecia de diferente. A algazarra estava armada.
               A animação contagiava até os mais velhos.
               Dona Marica, preocupada, atirava o ralo por cima da mandioca e, atrás dos garotos, esbravejava "Olhe, seus muleque, cuidado com a palheta!", até que parava e, de volta, falava para o povo das janelas vizinhas sobre a preocupação que tinha quando um "treco" daqueles descia.
               Tio Zique (que Deus o tenha) tirava do bolso o abade e o tabaco picado. Fumava quatro vezes ao dia: de madrugada, de manhã, de tarde e de noite. Cada período do dia, ele respeitava e em homenagem tragava um charuto desses. Mas, abria exceção em tempo de agitação e as baforadas ganhavam outra significação menos formal: um não se sabe o quê de prazer e contentamento. Então saía a palavrear com toda gente.
               Seu Mulato parava o dominó, levantando sempre as calças, erguia-se do banco de tora de "burajuba" e cogitava sobre o empenho do senhor Tomás: "Quem sabe agora o vereadô trouxe resposta do motô".
               Rita, a irmã velha, surgia do fundo do quintal e plantava-se no caminho pelo qual os visitantes certamente passariam para oferecer-lhes coco verde ou ingá-de-metro, e assim poder arrumar o conto do querosene que faltava na lamparina.
               Beco lembrava de tudo isso. Sentia uma espécie de desejo. Desejo de sair, conhecer, aprender e crescer. Desejo de conhecer campos com flores, campos queimados, e aeroportos dos quais pessoas vindas de Belém sempre falavam. E ele nunca foi a Belém.
               A baía de Marajó, ele contemplava da praia das Flechas ou da praia de Santa Maria; a de Guajará, ele só ouvia falar. Nunca, em bote, saiu para pescar. Todavia, já "estava crescidinho e iria provar dessa aventura". Teria de acontecer assim.
               Coisas de cidade, só vê realmente na sede do município; de outra forma, apenas nos livros por meio de gravuras e fotografias. Não se queixava de viver no "sítio", mas agora sentia a necessidade das vantagens oferecidas pela cidade.
               A mãe vai receber a pensão mensal e Beco vai junto. Lamenta-se da estada que é breve, pois "a canoa do Jatoba não espera". Beco considera Ponta de Pedras. Gostaria é de mais tempo... Lá, ele pisa em praça calçada, de onde todo canto sai uma rua nova. Sim, "rua nova e de verdade!" O coreto é paixão primeira (de quando em quando até sonha com ele): um dia haveria de entrar lá e "olhar o mundo", declamaria uma poesia ("para isso também servem os coretos" - ouvira certa vez do professor), ou sentado no para-peito, contemplaria o movimento da vida simplesmente...
               O Cristo, que fica na praça da "Barraca da Santa", atrás da "Casa Cabocla", um dia, ajoelhar-se-ia diante dele do jeito que aprendera fazer com a Santa Ana; leria os escritos das placas de pedras do obelisco da Praça Magalhães Barata (lera o nome ao passar com pressa por lá), onde se localiza o Grupo Escolar; iria à Telepará, tomaria o telefone e com responsabilidade falaria ao irmão que trabalha em outra cidade; assistiria a uma missa na Catedral e orando, pediria a Deus para que pudesse voltar no Círio; embarcaria no "Raimundo Malato" e finalmente desbravaria as baías.
               Depois (talvez) conheceria Cachoeira, visitaria o museu e cavalgaria pelos campos de Dalcídio, tão miseráveis, mas cheios de vida; e, cada vez mais longe, viajaria para a Holanda e colheria lá dos prados um maço de "flores perfumadas"; pilotaria um grande navio e dele presenciaria um bonito pôr-do-sol.
               Tudo ele se imaginava fazendo e em tudo derramava um pouco da essência que os sonhos possuem.
               Lembrou-se do último livro que lera: fino e com figuras; divertiu-se com "Raquel" e suas "vontades", gostou muito do "Galo Rei" (que trocou o nome por Afonso); maravilhou-se com a "Guarda-chuva" e sua linguagem comprida, e com todo o mistério que "A bolsa amarela" continha.
               Nisso, os minutos voaram... Quase deixou cair o livro de suas mãos. Voltou a folheá-lo. Encontrou a parte em que tinha parado na leitura. No entanto, já era noite. Dona Marica chama-o para jantar. Não chegou a terminar a primeira parte.

(1º lugar no concurso literário de Ponta de Pedras)

Auto-crítica


...Aí encontrei num caderno dos tempos do 1º grau um pequeníssimo poema meu; umas oito ou dez linhas. Falava de uma certa moça que se chamava Bonita e que pedia ao mar que lhe trouxesse seu amor (“Ah, mar...”).

Li, reli. Sei lá... Lembrou-me de Ismália quando enlouqueceu. Só que uma Ismália sem asas, só de corpo; uma Ismália que não subiu ao céu..., nem quis nadar.

Conto de língua


O pequeno Aparecido, depois de ler o informativo do conselho escolar de sua escola, foi visitar o professor Zílber. Ao ser recebido, o menino foi logo perguntando:

_Professor, ratificar tem alguma coisa a ver com ratos, é?

O professor fá-lo entrar e, com sorriso aberto, gostosamente foi explicando ao seu aluno:

_Não, Aparecido. Ratificar significa apenas “aprovar”, “validar” – dizia o professor, enquanto servia café com torradas ao atento aluno.

O guri contou que lera o informativo e, como não tinha se deparado com essa palavra antes...

_Bem, agora tem sentido a passagem do artigo “Encontro estudantil” – disse o leitorzinho sorridente, já com as torradas na mão – quer dizer que todos os presentes no encontro aprovaram o pedido de ajuda na reforma da escola proposto pelo presidente do conselho.

_Exatamente. Por falar em artigo, na parte do esporte temos outra palavrinha que não é tão aparecida assim – falou o mestre, pondo a mão na cabeça do aluno – é a palavra retificando, do verbo retificar que significa “consertar”, “corrigir”, “tornar reto”. Esse verbo é parônimo de ratificar.

_Parô o quê? – indagou o aprendiz.

_Quero dizer que essas duas palavras são muito parecidas, mas seus significados são diferentes.

_Ah, sim! “Ratificar”, que é “aprovar” e “retificar”, que é “corrigir”!

_Isso. Além dessas, há várias outras como “descriminar” e “discriminar”, “discrição” e “descrição”, “migrar”, “emigrar” e “imigrar”, e...

_Essas palavras dão trabalho para decorar, professor!

_Que nada – falou o professor, que servia mais uma vez o garoto com café – É só prestar atenção nos contextos em que aparecem e passar a usá-las também, aumentando assim o seu vocabulário.

_Gostei, professor! Acho que depois de ler o próximo número do informativo da escola, vou aparecer aqui de novo.

_Você pode conversar comigo na escola...

_E perder esse cafezinho com torradas?!...


(Publicado no jornalzinho "O Letivo" da Escola de Santana do Arari)



Um poeta de Ponta (1ª parte)


Acabara de ler o regulamento. Pela primeira vez admitia-se inscrever poemas de forma fixa. Todo poeta de verdade deveria ser capaz de compor um soneto.

Mas sobre o que escreveria este ano?

Pegou um bloco de papel, uma caneta e foi ao trapiche municipal. A tarde estava mole e as ruas da cidade alimentavam uma lassidão nas casas.

Epa! O trapiche está sendo reconstruído. Ah, o velho trapiche que nas madrugadas desertas mais parecia uma cobra-grande ressonando na mansidão das águas escuras do Marajó-açu... Desviou o olhar. Avistou as mangueiras em frente à escola Aureliana; dirigiu-se para lá. Ao pé de uma imponente árvore, buscava a inspiração de que precisava. Nada, não saía nada.

Resolveu ir para a praça Antônio Malato. Ficou contemplando por algum momento as ruínas da antiga Prefeitura. Talvez devesse rascunhar um poema sobre a grandeza desse outrora Palácio Municipal. Outros já o fizeram em verso e prosa?! Já o têm como símbolo, hoje, de um tempo político devassador, hostil? Foi a tomada da Bastilha, a nossa Revolução Francesa!

Preferiu não. Melhor buscar outro assunto, outro fato.

Caminhou em direção ao cemitério. Um outro poeta já falou de seu mistério.

Buscava, então, algo de “altaneiro”? Queria a majestade de um município que reina “sob a imensidão do céu marajoara” (mencionando Sandoval Teixeira, músico que agora está sendo lembrado pela Associação Musical Antônio Malato)? E falando em AMAM, maravilha sentir os frutos dessa importantíssima instituição muito bem representada por seus músicos, em especial, o professor regente Marcelo Tavares; por meio de seu trabalho, ela ganha notoriedade no Pará e no Brasil. Essa entidade sim, admitiu mentalmente nosso poeta, tem merecimento de um poema em sua homenagem. Mas o quê? Nada, não é desta vez.

Continuou a vagar pela cidade. As ruas agora já apresentam algum movimento.

Suplicou às musas do Parnaso, em frente ao campo de futebol: fazer uma obra em que figurem Marcenaria, Acadêmicos, Pedregulho e outros clubes do município...; seria uma boa idéia? Pouco se interessou pelos jogos na região; para ele, só existiam Paysandu e Remo, e a Seleção Brasileira.

O passeio já estava alongando. Todavia, caminhar parecia ser a melhor saída para conseguir o mais belo poema e poder assim concorrer.

Lembrou-se de nosso açaí, de nosso camarão, e arriscou uma quadra:

Ah, cheiro da brasa e cheiro do tucupi

Estão assando camarão lá no quintal

Vejo os espetos da tala de jupati

-Movimentos típicos perto do jirau

Nada mau, achou. Mas faltava o açaí; faltava a gente cabocla. Tentou mais quatro versos:

Então me convida a dona Marianinha

Que sabe amassar o açaí no alguidar

E me aponta com a boca em bico a farinha

-Que bom uma comunidade visitar!

Gostou das rimas e do metro. Voltou a andar. Aproximara-se do Arapinã. Leu, releu as duas estrofes. Preciso melhorar. Vão me criticar por esses versos batidos e com pouca imaginação. Embolou o papel e enfiou no bolso.

Atravessou pela ponte. Das canoas atracadas ouviam-se as vassouradas que os tripulantes davam no fundo dos cascos das embarcações: era a faxina depois da viagem. Não quis parar. Pessoas o notavam agora. Prosseguiu nosso inconcusso poeta, rabiscando, andando.

No campo de aviação, imaginou o pouso suave de uma deusa que lhe traria a palavra exata, a colocação perfeita; o ritmo fluiria e quando percebesse, lá estaria o seu melhor poema, com sua mais sublime poesia.

Folhas de papel em branco acenavam ao vento. Tentou novamente:

Tem Praia Grande, Vila Nova e Mangabeira

Cajueiro, Cucuíra e Jagarajó

Vejo canoas e igarités lá na beira

E vejo o caboclo atolado no igapó


Ora, vejam só! Uma canção! Gonçalves Dias se importaria?

Não. Cento e vinte e oito anos merecem bem mais que só exaltação. Embolou essa folha também. Bolso!

Um poeta de Ponta (2ª parte)




Precisaria de um poema com crítica social, como aqueles que Castro Alves soube, com inflamação, declamar na denúncia da situação indigna dos negros. A poesia serve também para denunciar as mazelas da sociedade. E tentou:

Meninos da Matriz

da peteca e da bola

da mão indo ao nariz

a terra vai e cola


Meninos da manhã

que vendem unha e “chopp”


Esperem! Necessitava de versos com um mínimo de dez sílabas métricas; esses (não sei como conseguiu sem escandir) continham apenas seis. O tema era bom; ainda bem que o Conselho Tutelar já age nesse assunto socialmente vergonhoso, e há um programa do governo muito bom que tenta erradicar o trabalho infantil em nosso município. Esse poema seria só mais uma denúncia?!
A lembrança passeou agora pela ironia, às vezes sarcástica, de Matos Guerra e questionou, como ele fizera há séculos, sobre a honra, a verdade que poderia estar nos faltando. Lembrar-me-ão também como um “Boca do inferno”? Tentaria ser mais sutil, porém:

Ó cidadezinha filha da fruta

Da fruta que teus próprios filhos comem

Quais os homens que tomam a batuta

E nessa luta quantos te consomem?

Certamente Cazuza aprovaria, pensou. Mas nosso cauto poeta queria algo que encantasse a todos, que quem lesse pudesse dizer “Meu Deus, nunca vi lugar-comum tão poeticamente bem arquitetado!”; e pudesse suspirar singularmente satisfeito.

Sua mente teimou em rever os assuntos e as riquezas de nosso mundinho: dança folclórica, festa do boi-bumbá, enraizadas e muito bem alimentadas pelo professor Aristeu; encantamento de boto e de mãe-do-mato, sobre os quais os professores Edinelson, Cristina, Jorge e Ló já devem ter contado; a cerâmica insiste, resiste nas mãos do Anaías, do Carlos, do Assis e do Adelino; Enfim, as aflições humanas, a hipocrisia de alguns etc., tudo isso o nosso escritor maior - Dalcídio - magistralmente já se enveredou. Maravilhoso que hoje as artes em Ponta de Pedras ganham com o aumento do mecenato; cita-se, como exemplo, a dona Regina que está resgatando nosso teatro.

Nosso poeta voltou os olhos para o bloco novamente. Apelou para o trabalho árduo, forçando um poema a se desprender, sabe-se lá de onde; quis martelá-lo, limá-lo conforme fizeram alguns parnasianos, e o que conseguiu foi um escrito artificial e ornado.

Definitivamente, este ano não participaria do concurso de poesia da cidade. Desistiria?

Ah, o amor por sua terra era tamanho que não admitiria ter falhado na empreita de que tanto já havia se orgulhado.

O sol agora beijava as árvores lá na curva do estradão. Guardou o bloco e a caneta. O semblante mostrou uma expressão de alívio (pensava ele em uma outra oportunidade feliz?). E no retorno a sua casa, cantarolava algo de que não se dera conta que ele mesmo compusera... assim:

Amo-te tanto tanto, de um amar sem fim

E não julgo nunca terminar esse atrito

Que muito faz desse amor o infinito

Que o próprio amor que tenho e sinto por mim.

Seria uma força inconsciente que o impelia a não desistir? Ah, nosso poeta de Ponta estava destinado a isso, sim.
(1º lugar no concurso literário de Ponta de Pedras)

quinta-feira, 2 de julho de 2009

A salvação da velha

O motor parou novamente. Noite um tanto quanto límpida. Satiro não tinha sequer uma linha de graça no rosto; todas lhe eram caras, e só havia uma cara, séria. Serena como a noite? Quase singela.

O motor parou! O que deveria ser agora?

_Ar?

_Mururé.

Não estava de todo escura a noite, mas as árvores delineando o igarapé pareciam sombras contínuas acompanhando o bote. Essas sombras avançavam querendo os engolir? Engolir aquele casco podre cujo coração era doente. Doente que precisava levar a velha Cláudia que há dias vinha sofrendo de dores. Ela era a doente e a pequena embarcação sentia os males. O corpo da velha moído da prostração, dos emplastos, dos chás, agora ali na rede, mole e sobre o motor que fervia o ar, impregnando-o de óleo diesel e fumaça. Serzelina, aquela peste, filha da enferma, era a única a mover-se dentro da embarcaçãozinha. Por que houveram de me procurar, cismar logo comigo? Podiam pedir ao Zélio; ele tem uma canoa bem melhor, veloz.

Satiro era só impaciência por dentro e descontava aquele incômodo no motor. Culpa de Delma: “Vai, filho, a dona Cláudia está muito mal. Na cidade tem médico. Não lhe custa”. Mesmo que a família da enferma desse o combustível, custava muito a ele. Tinha avisado do estado da canoa. A velha não escaparia; chegaria morta lá. Antes essas sombras abrissem suas bocas e nos engolissem; perderia o casco velho, ficaria vivo, mas terminaria logo com a agonia dessa coitada. De quebra, morria Serzelina também. Não me acordariam essas tantas da noite para levar doente à cidade. Bem que tinha voadeira do posto, mas, porque pública, arrebentaram ela, trazendo mercadorias para o comércio das pragas, donas da chave.

A viagem demorava. A maré alta lavava os terrenos; os açaizais, limpos pelos terçados, pelos machados, mostravam seus olhos dentro da noite, abrindo-os quando o bote passava. As árvores cortadas, caídas, de bubuia, apodreceriam aos pés dos novos açaizeiros que viriam viçosos para o verão; os cachos encheriam os olhos dos donos e dos passantes. Por que aquele enfermeiro molenga de Santana não passava o machado na velha?

Satiro fazia rebujo com os pés para alcançar a hélice e remover as plantas que atravessaram o caminho. Só me faltava ter que mergulhar a essas.

Duas horas e quarenta de viagem e cinco imprevistas paradas: água no óleo, ar na bomba, cárter seco, rompimento da borracha do tanque d’água e agora lixo. Não era para ser ele! Olhava para a rede; a mulher definhava nela. Não sabia de seu mal. Ninguém sabia. Mas certamente morreria. Deixar sofrer era malvadeza. Era malvadeza, coitada. Até parece! Tinham que dar alívio. Talvez nem chegasse viva na cidade.

_O senhor tem lanterna?

_Não.

Havia sim uma lanterna, mas não estava com pilhas. Não adiantava dizer que tinha. Não diria mesmo?

_Candeeiro?

_Era só a poronga que caiu na água!

Estava se arriscando... Outro barco maior o acolheria numa curva. Não está tão escuro assim; desviariam. Mas se não desse tempo? E se a outra também estivesse no escuro?

O sopro do sete e meio, querendo funcionar, trazia a imagem do Arina tentando lhe vender um Tobatta. Motor antigo, dos bons. Por que não vendeu por mil e novecentos? Sendo de segunda. Não faria aquelas paradas se houvesse comprado o motor. Ou andasse prevenido! Mas quem contava que a velha Cláudia não morreria logo? E por que aquele canalha não trouxe ela, o Zélio; o barco dele é maior! E a voz de Arina ecoava dentro da cabeça de Satiro “é Tobatta, já sabe!”, fazendo chacota dele.

Com uns goles o sete e meio funciona.

_Já estamos a favor? - pergunta Serzelina, quase gritando.

_Já!

_Horas?- aponta ela para o braço.

_Duas!

Duas horas. Três de viagem agora; com cinco paradas! Droga desse sete e meio que não vale uma merda!

Satiro, no timão novamente, volta os olhos para o motor e para a rede da velha. O motor era que exprimia as dores dela. Verificava pela janelota a saída de água de refrigeração. As pequenas ondas do cortar do bote eram as veias dos igarapés que pulavam anunciando reprovação. Essa tensão o deixava de pressão alta. “Vai, filho”. Não negaria à sua Delma aquele pedido, nenhum desejo. Só a Delma mesmo!

_Tem água?

Satiro queria era mandá-la olhar para fora. Por acaso estamos voando, besta? Deveria dizer para ela parar de frescura. Água pra velha agora não faz diferença. Ela não pega no gole. Mas apontou um objeto:

_Ali no carote.

Satiro avistou as luzes da antena da companhia de telecomunicação acima da mata escura. Aquela paisagem o refletia. Estava diante de um imenso espelho. Seus olhos vermelhos acima da muralha de sua raiva. Vermelhos de sono e de gana.

_Na chegada, salta! Não espera ambulância!

Serzelina balançou a cabeça aceitando aquele conselho trespassado pela zoeira. Os berros de Satiro apenas desafinavam aquele desconcerto monótono dentro da noite.

Avistando a cidade, Satiro ficou imaginando o desembarque. Melhor na rampa. A água dormente do Marajó-açu cintilava com as luzes refletidas. Efeito de alguma varinha de condão? A velha receberia aquela magia ou eram prenúncios de velas desfechando aqueles ais?

Atracaram. Notaram a ambulância. Mas como? Compadre Aldo recebera a fonia e acordara o vereador. Mas não estava com defeito aquele aparelho?

A velha saindo da embarcaçãozinha era o vômito da sucuri que se enganou de presa. Podia ser as últimas golfadas daquele bote seu que também entregava os pontos.

Levaram a velha.

Pela manhã, o vereador trouxe o combustível. Comentou:

_O senhor, seu Satiro, ainda recebe uma medalha. Salvou a dona Cláudia. Mais um pouco e ela teria morrido. Palavra do médico.

“Mais um pouco”? Então por que esse desgraçado do motor não deu pane mais uma vez? Seria melhor para ela. “Recebe uma medalha”!

_Que bom!

E este um! Em vez de pensar em me dar uma bijuteria, nem para olhar para a embarcação que estava precisando de médico também. São todos uma corja! Quando precisam...

Satiro recebeu o óleo e desatracou. Com alguns goles, o motor fumegava a raiva de seu dono. Estava só, voltando para casa. Para sua Delma, com a tarefa cumprida. A lembrança do político prestativo lhe trazia algo de alívio agora. “Salvou dona Cláudia”. A frase servira de purgação daqueles seus pensamentos nada colaboradores. Pelo menos então me dessem o dia perdido! Mas a declaração do médico, do vereador nos ouvidos de Delma era o que o levaria à salvação.

(Publicado em "Um poeta de Ponta")

Quando encontrei Dalcídio

_Missunga, ó Missunga!

A voz atravessou o capoeiral e encontrou Missunga de espingarda em punho, ainda selada. Famaleal deixa, por um instante, as folhas moídas que farejava e agora late em direção ao céu. Missunga baixa a espingarda e flutua para fora do capoeiral; depois, para fora do livro, num clarão que aos poucos se dissipa.

_Missunga, deixa as cotias, meu amigo! Não há nenhuma mesmo.

Missunga, como mágica, se vê numa sala agora, em companhia do dono da voz que o convocara. Era novamente o Professor que o trazia para o mundo real, ou para o outro mundo, como preferia Missunga; pois para ele o mundo real era Paricatuba com sua gente, eram os rios com suas canoas, era a Vila com suas casas, eram os bichos e seres encantados daquele espaço nativo,... eram também suas lembranças da infância.

_Ainda enfadado, meu amigo Missunga?

_Precisava encontrar o meu criador; precisava ouvir dele o porquê desse meu ser, assim... – disse Missunga.

O filho do Coronel Coutinho, que teimava em não querer ser doutor, queria respostas que só o próprio Dalcídio poderia lhe dizer.

_As coisas são como são e às vezes são o que não parecem ser – filosofa o Professor – “Tudo é e não é, sendo”, dizia um mestre meu.

Enquanto Coronel Coutinho lá no casarão de Paricatuba também chama por Missunga e enquanto Famaleal fareja as tocas vazias e as folhas moídas do capoeiral, Missunga, fora do livro em que fora criado, tem um dedo de prosa com seu amigo Professor.

_Contar-lhe-ei – falou o Professor – como encontrei Dalcídio...

_Mas ele morreu há anos! – comenta Missunga.

_Morreu para quem pensa... – interpela o Professor. Tu que vieste de uma história que ele escreveu, deverias ser o primeiro a não acreditar nisso! Eu mesmo converso com Dalcídio quando falo contigo, com o Alfredo de “Chove...” ou quando fico brincando com Famaleal; eu daqui e vocês do mundo da ficção.

_Então me conte como encontrou Dalcídio – pede Missunga.

‘Fazia eu uma pesquisa escolar na biblioteca do município, digo, na ex-biblioteca... Sim, essa mesma que foi queimada. Fazia uma pesquisa..., não me pergunte sobre o quê, na memória só ficou daquele dia o fantástico encontro do qual estou falando; aproveitava a oportunidade para mexeriscar, digo, para mexericar alguns livros. Naquele início de anos 90, era leitor de razoável número de livros que conseguia emprestar (eu mesmo não possuía uma dezena). Encanava-me, digo, encantava-me com Lobato e Cecília Meireles; discutia com Bandeira e Machado de Assis; concordava, digo, com Drummond e com Pessoa acordava; a Jorge Amado e à Lygia Fagundes eu ainda não fora aposentado, digo, apresentado... Nunca me dei conta de que lia autores nascidos de cidades de lá ou de cá. Apegava-me ao ato de ler, de conhecer as obras, de viajar nos mundos possíveis e impossíveis de maravilhosas histórias, intrigantes poemas..., quando icei um livro de uma prateleira qualquer (hoje sei que não era uma qualquer!) e vi: “Benedicto Monteiro”, paraense! Opa, paraense...?! Isso mesmo. Uma sensação de orgulho-(a)parecença cor de mato-lá-do-mundo-fundo-do-quintal-de-casa, um sentimento de parenticidade, um quê de parente na cidade, um trato de aparente idade... abarcou-me a mente. Precisava agora saber se Ponta de Pedras também reinava entre as poucas cidades paraenses onde escritores, melhor, autores dos bons tivessem nascido. Guardava uma curiosidade, uma curiosa idade começou a aflorar naquela estante, digo, naquele instante. Mas sim; o livro tinha para mim, no mínimo, um nome de obscura significação; algo assim como minotauro e dinossauro... Minossauro! (seria um desses monstros pré-históricos com cabeça de gente?). A fantasia começava a se desenhar... Vagueando com os olhos para imagem minar, digo, para imaginar o absurdo contido naquele título, me deparei com outro montante de livros onde um deles se intitulava “Marajó”; com o indicador, movi a obra: “Dalcídio Jurandir”, li; mais um escritor de fora querendo me dizer como é o Marajó, pensei. Que nada! (seria com incidência, digo, coincidência?). Comecei pelo fim; “Dados bibliográficos: 1909 – nasce na Vila de Ponta de Pedras, Ilha do Marajó, Pará, no dia 10 de janeiro...”. Que alegria! Quem sabe está aposentado em alguma chácara no Marajó, com seus oitenta e poucos anos, vibrei. Mas o ano de “1979” lá dos “Dados bibliográficos” jogou no perau como fruta de chumbo aquele pensamento-querência: “Morre a 16 de junho no Rio de Janeiro”. No entanto, lavei, digo, levei o livro para ler. Foi então que a mágica aconteceu; Dalcídio ressuscitava, digo, suscitava como se nunca tivesse morrido à medida que eu avançava no mundarel de sua (des)conhecida literatura. Fiquei eufórico, não, maravilhado! Sim, maravilha foi aquele achado’.

_Foi assim, Missunga, que também te conheci, que também conheci todas as outras personagens dalcidianas.

_Ele vive então só para o Professor...? – pergunta Missunga.

_...e para todos aqueles que lêem as obras – interrompe o Professor. Dalcídio continuará vivo! Posso até vê-lo de quando em quando, a testa luzindo tanto quanto reluzem os óculos abaixo dela (seriam centelhas de brilhantessência de seu gênio criador?).

_Como posso encontrá-lo também?

_Encontra o mundo que está dentro de ti. Usa um pó, uma palavra mágica, um caroço de tucumã como o do Alfredo... Lê, lê a si próprio e tu o encontrarás.

Missunga parece entender e compreender.

_Já sei – diz ele – já sei, Professor. Vou encontrar Dalcídio!

E como que sabendo mesmo como, Missunga volta para o livro de onde saíra.

(Publicado em "Um poeta de Ponta" - 1º lugar no concurso do I Colóquio DJ, Ponta de Pedras-2004) - Copyright by Jonas Furtado

RECEPÇÃO DA OBRA Um poeta de Ponta

"O contista Jonas Furtado é aquele observador e criador no silêncio - [...]. (Que) ganhou força, segurança e orientação, a fim de lançar e de arriscar no mundo dos poetas." Gunter Karl Pressler

"(...) Esse universo nos dá uma sensação de leve poesia cotidiana, ..." Cristina Ribeiro

"... com um talento peculiar e um tanto quanto raro, (Jonas) apresenta para nós, apreciadores de literatura, este trabalho relevante para nossa região tão carente de livros e de autores da terra." Wanderson Cavalcante

"Artesão de personalidades ... Jonas demonstra ... (ser) no seu livro Um poeta de Ponta, herança histórico-cultural, artístico-literária." Angelina Rodrigues

"...poucos artistas marajoaras têm a sensibilidade de absorver a cultura pontapedrense..." Luciene Andrade

"É importante quando um escritor valoriza a sua terra e a sua gente." Ivonete Guedes

"Fantasia? Realidade? Uma mescla convidativa para o conhecimento do ser humano: um ser muitas vezes impossível. (...)" Estelita Oliveira

"(...) Fico orgulhosa de termos um escritor premiado da terra como o professor Jonas." Ester Alencar

"Beber da leitura dos contos e crônicas de Jonas não é difícil diante do enfoque contextual em que ele, como autor, mergulha. (...)" Edileuza dos Santos

"Ele diz que seus textos são simples, mas percebemos que para lermos muitos deles, no mínimo, se deva ser um leitor iniciado." Irineide Furtado

Nota da editora

Em textos deliciosos e instigantes, Jonas Furtado reúne, neste seu livro de estreia, crônicas e pequenos contos que retratam a vida cotidiana de uma cidade do interior da Amazônia, a aprazível Ponta de Pedras, no Marajó, por coincidência cidade natal de um dos mais festejados romancistas brasileiros: Dalcídio Jurandir.

Um poeta de Ponta é um livro para se ler por puro prazer. Jonas nos surpreende, a cada página, com um toque de alegria, de simplicidade e de revelações. Revelações em que já se enxerga com segurança a semente de um futuro grande autor.

Cejup

ISBN978-85-338-0489-0 (1ª edição - 2007)

Apoio: Aspelpp-DJ, AMAM (Associação Musical Antônio Malato), Prefeitura de Ponta de Pedras