Escrito...

A minha literatura diz e não diz: diz porque, no momento de aspersão inspiradora, (quase) se nota uma fisgada de incomodidade, uma crítica sutil, para que a poesia floresça... Não diz porque as inquietações são dialéticas - parte de cada leitor -, o que se vive, sonha, pensa e sente...

sexta-feira, 1 de junho de 2012

A escolha da farinha

          Fora comprar o açaí.
          _ Litro e meio!
          Enquanto esperava, notou que havia farinha d'água à venda. Examinou. Dois tipos. Faltaria a farinha para o almoço? Já pensou ter que voltar? Por que não verificou antes?! Na dúvida, resolveu levar também.
          Voltou a olhar atentamente no balcão os poucos quilos comportados lado a lado. Confirmou: um tipo branquinha branquinha, de aspecto polvilhado, opaca, seca, fina; outra levemente amarelada, todavia com uma tênue vivacidade que remetia a certa crocância característica, que dava ao açaí o exato sabor do Marajó: leve e carregado.
          _ Pronto, seu Zílber. Sete e cinquenta.
          _ Dê-me dois dessa farinha aí.
          Não teve dúvida na escolha. O preço? O mesmo. Levaria a melhor.
          _ Garanto que o senhor vai gostar mais desta outra. As aparências às vezes enganam!
          _ Se o amigo garante, dois então.
          _ Doze e cinquenta tudo.
          Pagou e saiu para casa, pensando no almoço.
          Tudo posto. Mesa, corpo e vontade de comer. Prova a farinha. Credo! Ruim ruim! Tinha percebido a cara de doente das pesadas à direita. Bom experiente em farinha, o que as esporádicas lançadas a punho (memorizadamente afinados sabor, cor e textura) no Ver-o-peso lhe ensinaram, dificilmente errava. Escolhera agora uma, e o vendedor lhe recomendava outra! Queria era desempatar a mercadoria, aquele negociante fulo, esperto! Engoliu o bocado. Depois tareou na composição do prato para o agrado do gosto. Fome maior, tempero exato! O açaí era razoável para uma entressafra; mas as farinhas, pensava, não eram do mesmo saco!
          Como era passada da volta do trabalho, acostumou-se a comprar naquela máquina.
          No dia seguinte, deu pausa na iguaria e, pela troca, para o acompanhamento da comida, cozinhou uns poucos piquiás... resquícios de temporada. Mas a farinha, a mesma: ruinzinha ruinzinha!
         Vai que outra vez, caboclo da gema da cuia, passava pela venda em busca do vinho predileto. Notou que os quilos restantes do outro dia não estavam mais lá, no balcão; vendera o astuto batedor de açaí... Solicitou então litro e meio de açaí.
         _ E a farinha, seu Zílber?
         _ Não me agradou aquele tipo que o amigo recomendou-me.
         O comerciante sentiu certo despeito.
         _ Sabe, seu Zílber, o senhor só diz assim porque não provou da outra! - e fechou a cara.

Jonas Furtado

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