Escrito...

A minha literatura diz e não diz: diz porque, no momento de aspersão inspiradora, (quase) se nota uma fisgada de incomodidade, uma crítica sutil, para que a poesia floresça... Não diz porque as inquietações são dialéticas - parte de cada leitor -, o que se vive, sonha, pensa e sente...

sábado, 29 de junho de 2013

Apresentação

O texto abaixo é a apresentação do primeiro apostilado de poemas meus, reunidos em 2002. Resolvi transcrever aqui, já que não chegou a ser publicado. Como disse antes, este blog é a minha gaveta-net.

          "A ideia de reunir em livro alguns dos meus escritos já era antiga e ganhou força quando do desejo de deixar uma lembrança minha aos colegas do curso de Letras da UFPA, campus de Castanhal, no fim de nossos estudos.
          Então resolvi fazer este livro com escritos que datam desde o primeiro grau até o ano de 1995. Distribuí em duas partes: a primeira, significando ideias, pensamentos, emoções, jogos com palavras dentro da faixa etária dos meus vinte anos; a segunda parte tem como tema as emoções, brincadeiras, reflexões e sensações dentro da perspectiva do inverso (da chuva) condicionando um lirismo ora melancólico ora brincante.
          Falo em "escritos" para deixar ao julgamento do leitor a possibilidade de encontrar neles poesia.
         Muitos outros poemas ainda aguardam a oportunidade de, quem sabe, participar de um segundo livro. Deixo um endereço no final do livro para sugestões, críticas e observações que o leitor queira fazer.

Jonas Furtado

quinta-feira, 2 de maio de 2013

O mistério da pupunha

            “Ao lado dela se sentou um homem. Quando ela pegou o primeiro biscoito, o homem também pegou um.”
           http://www.rivalcir.com.br/mensagens/mens2088.html

Essas viagens de barco costumam ser longas; três horas já cansam nos dias de hoje. Fico a imaginar como eram na época das velas - as canoas demoravam um dia inteiro! para chegar a Belém, quando do vento escasso. Ainda bem que pertenço à Era do motor a diesel; polui, é claro... Polui a água onde os peixes moram, polui os ouvidos dos seres do mar, e polui, e polui, e polui. Mas chego mais rápido ao meu destino; se ganha tempo, e se ganha, e se ganha.
Lembrei que em minha mochila havia um saco de pupunha que comprara no trapiche. O rapazote "Pupunha, pupunha, pupunha da boa!" que encheu meus olhos um amontoado, punhado assim, que paguei pela aparência vistosa delas, das pupunhas. Tinha saído sem o café e as iguarias cairiam bem com o servido na embarcação. Levantei pelo café. Andei pelo barco a olhar a paisagem quase já decorada pelas tantas vezes que já vi; quase, porque ainda que saiba a rota, sempre há um ângulo novo, sempre há um novo rio, daí o dia ser diferente. Encontrei a bebida e voltei para o meu assento. Eu não estava com fome; carecia daquele ritual matutino - mastigar algo ajudaria passar o tempo. Levei a mão no saco de pupunha ao meu lado e fui alimentando o pensamento sobre as paisagens. Percebi então, num quase toque de mãos, que uma passageira ao lado também comia da mesma pupunha, do mesmo pacote. Não notara antes a vizinha do lado, até que ela mergulhou a mão para apanhar uma pupunha, da "minha pupunha!" Bom, tudo bem... Tinha o bastante para os dois - era só um desjejum mesmo.
Notei depois que, a cada pupunha que eu também tomava, ela agia com um cordial compartilhamento, o que me deixava entender levemente que ela me fazia um favor comendo do “meu” caboclo lanchinho matinal. Na verdade, era eu quem agia da mesma forma, afinal estava repartindo, numa espontaneidade afável, aquele alimento; aquilo me fazia bem. "Mas por que a viajante do lado não me pedira? Por que não se apresentou? Por que não disse que também desejava comer da pupunha? Será que me conhecia?” Eu? Não, não a conhecia.
O saco ainda meado, ali entre nós, aberto como a ouvir as nossas mentes... Tentava eu imaginar também o pensamento dela; não havia nada de investimento pessoal de ambas as partes - ela só deixava escapar uma doce afeição de simpatia, no que eu também respondia com reciprocidade comedida.
Os goles no café intercalavam as imagens que se formavam na minha imaginação e as frases que daí também brotavam - pupunheiras com poucos espinhos. O sabor seria completo se desse umas bocadas na farinha que só havia em casa, especial feita por mim lá no forno, perto do roçado. E o barco ia, e os minutos também, e as pupunhas desapareciam.
Verifiquei, com os olhos ladeados, as pupunhas. A pupunha! A última que ainda havia, resolvi que seria da minha companheira de refeição. Porém, ela não se servia; o jeito cordial dela me comunicava um favor que simpaticamente eu lhe retribuía. “Deixar a última para mim? Muito justo, já que o dono era eu”, pensei. Mas minha educação familiar me impedia de tocar no fruto que sobrara. Decidi então oferecer a ela. Claro, ela agradeceu, hesitou, mas tomou para si. A conversa atou-se, vaga e fática: viagem boa, baía limpa, céu limpo, manhã ensolarada; soprava um leve *marajó dançante pelo movimento do barco. "Limpa! Limpo! E a fumaça espirrada da descarga?! E o óleo laminando a água?! Limpo estava o meu pacote sem pupunha! No entanto, limpa estava a alma também pela boa ação que deixara acontecer...”
A embarcação finalmente atracava no porto da capital; despedimo-nos. Acredito que por polidez ela entregou-me seu cartão, ou oferecia seus serviços de contadora. Muito atencioso, guardei-o. Ela desapareceu entre os passageiros. Sua descrição aqui não se faz necessária, além da que vagamente já mencionei; acrescento apenas que era uma mulher jovem e educada, simpática. Minha vez de saltar; por algum motivo que me escapou, o embrulho de pupunha, agora vazio, tinha ficado ali no banco entre os dois lugares também vazios. Esse fato me retornou quando eu já ia longe.
Em casa, fiquei na companhia de Kid Abelha que cantava o final de semana feliz "mesmo duro ou com grana". Abri minha mochila para desfazê-la; lá estava o saco de pupunha, imexível! como um ministro de governo. "Meu Deus! Que vergonha!” Amorna meu rosto num enrubescimento crescente. "Então, eu comia da pupunha da vizinha de viagem!" Poxa, um sentimento de débito para com ela, e o pior é que talvez nós nunca mais nos encontremos. Havia jeito? São esses lances estranhos que nos acontecem que nos fazem sentir a vida com uma complexidade irônica, mas gostosamente aceitável, porque nem tudo nessa vida está explicado, nem tudo nessa vida precisa ser explicado. Degustei a pupunha como se fosse minha. "O que ela pensara de mim?" Deve ter me considerado um tresloucado, um maluco viajante sem rumo, sem lenço dentro da mochila e com poucos documentos na carteira: um enxerido! Isso!
Terminei com a mochila e remexi na carteira. Seu cartão! Tinha então a oportunidade de me desculpar. "Comi da sua pupunha, moça. Me perdoe! Jurava ser minha." Do outro lado, a mulher também pedia "desculpa, seu moço!" numa embaraçosa entonação suplicante, a dizer que pagaria as minhas pupunhas.
Até hoje não entendi o que ocorrera. Nem ela. E o mundo todo desanuvia e se entretém apenas nesse mistério.
Jonas Furtado

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Homenagem

Escrito por ocasião da aposentadoria
da colega de trabalho, professora Angelina.
Aqui, represento a voz da amiga para homenageá-la. 

"Aposentadoria chegando... Não quero saber da marca de sandálias que porei nos pés! Elas pouco sabem dos anos tantos de dura andança - trabalho dedicado e aperfeiçoado a cada etapa vencida - por uma educação melhor.
               Não quero saber do adjetivo "inativo"... Porei sandálias novas para novos empenhos. Nada de pendurar as chuteiras (se fosse jogadora de futebol), muito menos guardar os livros (eles ficarão a vista para mais conhecimentos).
               Como professora, vivi tempos de angústia... nem vale a pena lembrar; tempo de alegria... que num livro pode se transformar. Ensinei, aprendi; e o louro dessa lida me vem quando um aluno ou ex-aluno me cumprimenta, quer com um "Oi, professora" - ligeiro pelo dia-a-dia -, quer quando me tomam como nome de turma - honraria aceita por apreço e carinho... Eis o que sou para eles, meus alunos.
               Aposentadoria!
               Ih! Meus colegas... Nem pensar! Talvez um pouco de descanso porque os sujeitos já estão fartos de tanto predicativos que já lhes dei. Mas nossa família Escola mora sempre aqui no coração, pois ela sintetiza numa análise morfosintática as amizades que consquistei. Vou guardar os bons substantivos, próprios ou comuns, simples ou complexos, concretos ou abstratos... eles que se fizeram substância de amor e conteúdo: vida, em minha vida. Já catologuei os adjetivos para melhor usá-los, conforme as transparências amigas... Os numerais, os infinitos pelos sem número de alunos que por mim passaram, porque são hoje multiplicativos da boa fé, porque são cidadãos. Tenho autoridade sobre os verbos, e com eles interagirei sempre com a minha forma de comunicação, mostro estados, qualidades, fenômenos e ações pertinentes. Artigos, pronomes acompanharão e definirão o valor determinado pela pessoa pretérita, presente e futura que sou, ainda que às vezes imperfeita. Preposições, advérbios, conjunções e interjeições atazanarão sempre a minha mente; com eles teço também o fio da meada de minha história.
               Aposentadoria!
               Usarei mais figuras de linguagem para tornar minha vida e dos que ao meu lado estiverem mais poéticas e vivificadas. As ambiguidades ficam na lembrança das brincadeiras dos colegas de trabalho e amigos, o que talvez me faça falta, e assim, por conta disso, apareça aqui (na escola) para perguntar se alguma professora colega 'já deu...', deu sua aula! Deixem molhar o bico!
               Se tenho o que agradecer?!
               Deveras! Minha gratidão segue diária aos céus, a Deus, com certeza aceita minha oração.
               Bem-aventurança aos meus colegas que ficam na labuta, e a todos. Talvez eu até diga ao Jonas que no fundo no fundo eu gosto do 'tia Angeca'...
              E nesse dia de festa, que a permissão me dada para discursar seja condecorada com a felicidade desses alunos que agora tomarão também novos caminhos na certeza de que agora são cidadãos de uma antiga esperança, aquela de um Brasil mais justo e fraterno.
              Obrigada."
 
Jonas Furtado

segunda-feira, 11 de março de 2013

Simbolismo - olhos de mim

Deu com os olhos dela perdidos na sua figura. Ao que percebeu, ela franziu a testa como a disfarçar aquela admiração, deixando a expressão tomar forma na força de um raciocínio que desvendaria a lógica daqueles exercícios. Mas foi apanhado de maduro aquele vislumbre... Não podia ser! E a tentativa de extravio de pensamento mais o fazia ver no desvio dos olhos dela o já impresso estranhamento da cena. Decidiu: seria indiferente àquela claridade que emanava de seu ser dócil e febril, de seu... sua face menina e (...). Tempo dado, exercícios resolvidos; e os dela pela metade... O que consentia a réplica: enganara-se? Uma interrogativa permitia a divagação de mais hipóteses. O que aqueles olhos claros lhe indagavam naquele momento? A que aspiravam? Sua condição era ignota naqueles pensamentos. O que estava acontecendo? Levantou-se a explicar as questões e a turma verificava as correspondências de suas falas com as escritas na folha dos cadernos. Queria ele certificar-se do que agora andava pousando em sua mente; haveria também uma correspondência por parte dele diante da delicadeza e paixão daquelas luminosas claridades, daquele sorriso admirador? Admirador e admirável como nunca fora antes. Assustou-se num atino de que tudo o que pressentia poderia ser apenas um reflexo do que assistia entre o físico e a indefinida música captada naquele instante. Droga! Tudo uma confusão! Se fosse... tarde demais para destrancar as imagens deixadas, porque a chave sorrateiramente escapou para o coração - lugar difícil de controle, lugar de dificílimo acesso. As tentativas de esvaziar a mente, os exercícios de auto-controle, nada produziu a química que arrombaria o esconderijo pulsante da designação... Plantara-se a ideia e ela agora crescia em solo fértil.

Jonas Furtado

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

26 anos sem Dalcídio


                                           O escrito abaixo foi encontrado em meio a alguns documento antigos.
                                          A publicação aqui tende a salvá-lo como lembrança da homenagem da ASPELPP-DJ (feita por mim) quando dos 26 anos de morte do nosso  maior escritor.
 
Olhem eu aqui, pretenso escritor citando o nome Dalcídio, o Dal dos Menezes amigos; Dalcídio Jurandir, cuja fama atravessa os rincões dos campos (queimados ou alagados - terra e água)... Mas, eu nessa história?
          Pois é. Contava, sei lá, 13, 14 anos e aquela música tocava na barraca da dona Xixita (minha querida avó), na feira, em tempo de Círio; aquela canção vinda de um compacto de vinil do meu amigo Itamar anunciava o título "Chove nos campos de Cachoeira" e o nome "Dalcídio Jurandir", que retratava o cenário de Marajó onde nasceu. "Título", "livro"...; coisa que sempre me fascinou: livro! Lia como quem tinha/tem um segredo de mistério por decifrar o conteúdo feito com letras (e gravuras) de um mundo que cabe nas mãos - lia com prazer os livros que emprestava da escola Eureliana Monteiro, ou de amigos; prezava muito os didáticos. Aprendi a ler porque me via, talvez, sozinho e confuso (o que me pareceu depois), mas aprendi a ler principalmente pelos estudos, pelos conhecimentos e, claro, pelo desvendamento de mundos que, como já falei, assentavam no papel.
          Mas, então. Idos tempos, num centro médico em Belém, para uma consulta, uma conhecida - ponta-pedrense como eu (nasci em Belém, bem verdade, mas só porque minha avó confiou na medicina da capital) - vendia num tabuleiro, não de frutas nem de café completo , ela vendia livros, dicionários, enciclopédias. Ela me reconheceu e me chamou; cumprimentei-a e fiquei a olhar os livros, só olhei. Um senhor também dava uma olhadela; depois ele tirou da sacola que trazia debaixo do braço um livro que lançou no ar sem soltá-lo: "Livros, esse sim é coisa que se preze", disse, mostrando um título de Dalcídio Jurandir (possivelmente o "Chove" da Cejup), e terminou com "Este sim é bom e é nosso!". Notei que no tabuleiro da conterrânea não havia nenhum livro de autor paraense - parecia mais ser uma divulgação de grandes editoras de São Paulo e Rio. Esse fato inspirou-me a escrever a crõnica "O velho e o livro".
          Lembro-me de que me deparei pela primeira vez com a obra Marajó na biblioteca pública de Ponta de Pedras - esse fato me levou a escrever o conto "Quando encontrei Dalcídio", especialmente para o II Colóquio Dalcídio Jurandir em Ponta de Pedras, pela Aspelpp-DJ organizado: primeiro lugar; sim, folheando o Marajó me vi vagueando numa vila que muito parecia a minha cidade do meu jardim de infância, e era mesmo! Embrenhei-me na leitura; era, acredito, o único jovem ponta-pedrense que lia Dalcídio, porque no meu meio estudantil, quando eu falava de uma descoberta, de um tesouro num báu imenso (que era a biblioteca, ainda localizada na Prefeitura antes da "Queimada"), ninguém reconhecia o tal escritor, ninguém. E já que citei a Aspelpp-DJ, em janeiro de 2004, a professora Angelina Rodrigues (que fazia TCC na obra de Dalcídio) e eu tivemos a ideia de fundar uma entidade de professores que visassem trabalhar a obra dalcidiana no município e divulgar fora dele; nesse mesmo mês, um grupo de professores fundou a ASPELPP-DJ (Associação de Professores para Estudos Literários de Ponta de Pedras - Dalcídio Jurandir), que segue até hoje em suas funções primeiras e que até então tem sido fundamental para os eventos literários no município de Ponta de Pedras, contando com mais de 20 membros associados.
         Nos concursos literários por ocasião do aniversário de nossa cidadezinha, algumas vezes, lancei-me timidamente com o conto "Um ponta-pedrense sonhador", inspirado na primeira página de Chove; o conto citava os "campos de Dalcídio", e a personagem principal (o menino Beco - sonhador) mais parecia um Alfredo sem caroço de tucumã. Premiado, continuei escrevendo - coisa que já gostava muito de fazer; inspiração não me faltava, dadas as leituras que já tinha feito (e ainda iria fazer).
          Mais tarde, já professor em Santana do Arari, descobri outro livro com contos e poemas de escritores paraenses, lá estava Dalcídio com "O velho e o miritizeiro", que, assim como dera tamanha visão poética de Bibiano no traçado com cestos e paneiros a Alfredo, também encantou-me por essa e por outras imagens altamente singulares. Passei a trabalhar as narrativas dalcidianas (e depois de outros escritores ali presentes) daquele livro em minhas aulas de compreensão e interpretação de texto.
          Em 1997, acadêmico na universidade (UFPA), tive o prazer de conhecer a profª Drª Socorro Simões, quando de suas orientações acerca de coletâneas de narrativas populares; ela, entusiasmada (ou seria eu?), cumprimentou-me por eu ser da "terra de Dalcídio Jurandir!". Coincidência à parte, eu estava literariamente rodeado pelo criador do Ciclo do Extremo Norte - fato que aumentou meu interesse. No desfile escolar da Escola Municipal de Santana do Arari (onde eu fui diretor de 95 a 2003), homenageamos Dalcídio Jurandir pela primeira vez (isso, em âmbito municipal); dissemos nos cartazes que o Marajó tinha um grande nome na literatura! A partir de então, professores também começaram a buscar material sobre o tão ilustre escritor.
          De certa forma, influenciei amigos a lerem Dalcídio em Ponta de Pedras. Os meus discursos (em palestras, cerimônias de colação de grau, desfiles escolares etc.) falavam da importância do resgate desse autor ímpar da Amazônia - assim vi meu grito ecoar. Mas descobri em seguida que em Belém (e em outros lugares do Estado e até de outros Estados) havia pesquisadores empenhados nos estudos sobre a vida e obra de Dalcídio Jurandir, peço licença para citar alguns nomes como do escritor Benedito Nunes, dos pesquisadores Dr. Paulo Nunes, Drª Josse Fares, Drª Rosa Assis, Dr. Gunter Pressler, dentre outros tão importantes quanto. Gente do cânone literarário brasileiro como Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade (este poetou Dalcídio na campa molhada de chuva nascida em Ponta de Pedras e vinda dos campos de Cachoeira do Arari) falaram e/ou poetaram o nome, a obra de Dalcídio Jurandir. Faltava o povo de modo geral, e, especialmente o marajoara, conhecer a obra dalcidiana.
          Bem, Dalcídio remou magistralmente nos rios literários, adentrando nas densas matas da floresta encantada dos grandes mestres. Foi, conforme li na revista "Asas da palavra" (Unama) e em outros meios, uma luta árdua empenhada pelo escritor, que talvez chegasse a desanimá-lo; porém, o amor pelo ofício de escritor, o fascínio da urdidura literária em falar do Norte, dos rios, das pessoas, da cultura, por melhor dizer, também brasileira, acordavam o espírito genial desse conhecedor de nossa gente. Assim, nós, abrindo caminho no meio da ignorância popular, presamos por este escritor e por sua singular obra, contribuição artística valorosa para o conhecimento da humanidade.

Jonas Furtado

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Você me ama mesmo



 
...vem sentir as batidas frementes no meu peito quando do seu passar por mim... vem amanhecer sentindo o aroma do dia, da vida, temperado de alegria porque habita em mim... vem ver o por-do-sol mais lindo, sendo linda, o revoar da passarada enfeitando o céu de movimentos e gritos de vidas... vem acontecer de mistérios quando falamos sérios sobre se você e eu gostamos mesmo assimmmmmmmmmt... vem deixar o seu perfume na sala e encher o resto da casa com sua voz terna e louca, louca, louca, muito louca por mim... vem imaginar-me no trabalho enquanto imagino você num atalho, conservando nosso caminho quando queremos só carinho e aquele silêncio manhoso... vem ver outro filme comigo, e saber que sou seu companheiro e amigo, que, confuso e pateta, erra o roteiro, esse que você também nem atenção prestou por estarmos presos em nossa própria história... vem entrar numa loja, diz para a moça atendente que seu amor não quer presente, mas que precisa dormir na sua, que precisa muito de você... vem pedir uma PROVA DE AMOR (sinta o meu calor!) quando já lhe mostrei todas possíveis e ainda assim intento mais, mais esta... vem sonhar, sorrir, dormir de boca aberta (o que nos resta? AMAR) de tão anjo de mim... vem ordenar que eu seja somente seu (sempre fui, pressinto) mesmo sabendo que já não tenho posse de mim, sendo assim seu, seu namorado, seu noivo inventado e esposo apressado... vem me dizer que só quer um filho (uma barrigada! RS) quando multiplico-o por dois para convencer você de que o relógio da vida, do amor é movido a carinhos, cuidados, atenções, levezas, responsabilidades de um para com o outro mutuamente: família... vem formá-la do seu jeito para que eu sirva a ela com humildade e apreço... vem dourar com seu ser de luz todos os problemas, pois dessa forma nunca saberemos que os temos (temos o quê?)... vem - a vida feita só de pão não tem graça - se encantar com os sonhos, me amar sem condição, já que sou seu num infinito de um grito de existência, num infinito estranho de uma bola qualquer no universo... vem que valeu apenas estar e pensar em você, valeram a pena os perigos - , convença-se de que já morri estando vivo, se você não gostasse de mim... vem que tem na minha lembrança um ser com coração (CORAÇÃO!) de esperança, cuja existência já me era reconhecida de outros tempos remotos talvez - meu Deus!... vem assim, dizendo bobagens, rindo de nada e de si, falando verdades, notando que a vida sem amor é uma viagem insossa com chegada tediosa mesmo quase sem fim... vem para essa travessia comigo, as ondas são nossas amigas e a praia é logo ali... vem furiosa, teimosa, traz aquele aconchego de colo que sabe que meio sem jeito adoro, porque conhece quando estou alegre, triste ou bravo... vem viver nesse azul comigo, vamos provar que o amor tem suas próprias razões; quero dizer para sempre que encontrei a minha eterna pessoa certa, minha namorada... vem, vem, porque TEAMO, teamo, teamo, assim: do nada!
 
Jonas Furtado

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Lições da vovó

                     

               Na pressa, joguei de longe a roupa suja; caiu fora da bacia.
               Minha avó:
               _ O preguiçoso sempre trabalha mais!
               Voltei para apanhar a roupa...



 Jonas Furtado

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Antigamente




Em mil novecentos e antigamente se estudava à luz de lamparina; aprendia-se que quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares Cabral, e que um coque na cabeça não fazia mal.
          _E ela arriava um cocorote macio no coco do garoto!


Jonas Furtado

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Mestres do Marajó

Dó, Ré, Mi, Fá, Sol... Mestre Antônio Pereira
Por Jonas Furtado
 
Foi com um famoso solfejo que o músico Paulo Sérgio Pereira (o amigo Catita) homenageou o mestre Antônio Pereira por ocasião dos seus 80 anos de uma vida simples, mas poeticamente musical, construída com muito trabalho e dedicação. O acontecimento se deu na sede social da AMAM (Associação Musical Antônio Malato) no início do ano corrente, e se prolongou durante uma semana com festejos e encontros em torno de uma das personalidades mais importantes para a cultura e para a educação musical em Ponta de Pedras.
Mestre Antônio Pereira aprendeu música com seu pai, um dos primeiros instrutores da banda musical do município, logo aos dez anos; estudou até o primário do Ensino Fundamental. A música está em seu sangue; um dos primeiros instrumentos a tocar foi uma viola e um cavaquinho, e mais tarde aperfeiçoou-se em saxofone e clarineta, dentre outros. A facilidade com que aprendia música era notada e logo se tornou um dos maiores e mais dedicados professores de música de Ponta de Pedras.

Tem como filosofia de vida o aprofundamento do sempre aprender e conhecer para atingir a perfeição e junto com isso o respeito. “...sempre foi um exemplo de dedicação e amor a tudo que faz, vindo diariamente de seu sítio ... para ministrar suas aulas...; enfrentando todo tipo de adversidade...”, comenta Rosiberto de Castro, músico e atual presidente da AMAM.
Quanto a nós, lembro claramente as primeiras aulas de teoria musical; ainda posso definir o que é música e em quantas partes ela se divide, aprendi a educar meus ouvidos com acordes sonoros e metálicos de um saxofone que encanta até hoje minha mente. É como disse o poeta Ló Martins (em homenagem ao mestre), os instrumentos “... Talvez tocassem mais uma melodia para homenagear aquele que com sutileza e maestria discorreu seus dedos e tirou [dos instrumentos] notas repletas de emoção...”. É com apreço e gratidão que homenageamos também nesta nota esse homem valoroso que é o mestre Antônio. PARABÉNS!
 
Crônica publicada pela ocasião dos 80 anos do músico Antônio Pereira

terça-feira, 24 de julho de 2012

É isso


Dito dúvidas, ela se escorou na porta que se foi abrindo a seu peso.
          Aos tropeços adentrou. Levantou o olhar, houve luz. Sentiu o pulso da vida...
          "Pronto! Invadi seu coração!"

(Publicado na Agenda Literária 2011 - Literacidade editora: Belém/PA)

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Dia dos namorados

 
          Passou pela conversa... e entendera, no tom explicativo da voz feminina, assim:
         "Mor, céu na bolsa!"
          Comprara ela um pedacinho do céu, um mundo de sonhos, para presenteá-lo. Que lindo! - pensou. E passou...
          Então, decidiu ficar apenas com esse sentido fonemático. E escreveu esta crônica... porque sonhou.

 
Jonas Furtado

A escolha da farinha

          Fora comprar o açaí.
          _ Litro e meio!
          Enquanto esperava, notou que havia farinha d'água à venda. Examinou. Dois tipos. Faltaria a farinha para o almoço? Já pensou ter que voltar? Por que não verificou antes?! Na dúvida, resolveu levar também.
          Voltou a olhar atentamente no balcão os poucos quilos comportados lado a lado. Confirmou: um tipo branquinha branquinha, de aspecto polvilhado, opaca, seca, fina; outra levemente amarelada, todavia com uma tênue vivacidade que remetia a certa crocância característica, que dava ao açaí o exato sabor do Marajó: leve e carregado.
          _ Pronto, seu Zílber. Sete e cinquenta.
          _ Dê-me dois dessa farinha aí.
          Não teve dúvida na escolha. O preço? O mesmo. Levaria a melhor.
          _ Garanto que o senhor vai gostar mais desta outra. As aparências às vezes enganam!
          _ Se o amigo garante, dois então.
          _ Doze e cinquenta tudo.
          Pagou e saiu para casa, pensando no almoço.
          Tudo posto. Mesa, corpo e vontade de comer. Prova a farinha. Credo! Ruim ruim! Tinha percebido a cara de doente das pesadas à direita. Bom experiente em farinha, o que as esporádicas lançadas a punho (memorizadamente afinados sabor, cor e textura) no Ver-o-peso lhe ensinaram, dificilmente errava. Escolhera agora uma, e o vendedor lhe recomendava outra! Queria era desempatar a mercadoria, aquele negociante fulo, esperto! Engoliu o bocado. Depois tareou na composição do prato para o agrado do gosto. Fome maior, tempero exato! O açaí era razoável para uma entressafra; mas as farinhas, pensava, não eram do mesmo saco!
          Como era passada da volta do trabalho, acostumou-se a comprar naquela máquina.
          No dia seguinte, deu pausa na iguaria e, pela troca, para o acompanhamento da comida, cozinhou uns poucos piquiás... resquícios de temporada. Mas a farinha, a mesma: ruinzinha ruinzinha!
         Vai que outra vez, caboclo da gema da cuia, passava pela venda em busca do vinho predileto. Notou que os quilos restantes do outro dia não estavam mais lá, no balcão; vendera o astuto batedor de açaí... Solicitou então litro e meio de açaí.
         _ E a farinha, seu Zílber?
         _ Não me agradou aquele tipo que o amigo recomendou-me.
         O comerciante sentiu certo despeito.
         _ Sabe, seu Zílber, o senhor só diz assim porque não provou da outra! - e fechou a cara.

Jonas Furtado

terça-feira, 2 de novembro de 2010

IDH


Seis e meia da manhã. À porta de uma loja (ainda fechada) um homem dormia.
À minha frente caminhava um outro homem com uniforme de gari da prefeitura, arrastando uma dessas lixeiras de rodas. Ele vê o homem deitado; pára. Deixa que eu passe; passo. Olho para trás curioso: não é que aquele servidor público “recolhe” o boné do homem!
Enquanto isso, ...a sujeira aumenta.
(Jonas Furtado)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Ponta de Pedras está em Tucuruí



O livro "O poeta - novela", de minha autoria, está no III Salão do livro em Tucuruí (ver jornal Liberal 1ª edição do dia 1º).
A iniciativa foi da Casa da Linguagem, ligada ao Curro Velho.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Atualização...

Caros leitores,

Os meus blogs (Um poeta de Ponta - poesia e prosa) serão atualizados e modificados em julho para que em agosto volte a funcionar normalmente. Uma das modificações será no nome do blog de poesias: deixará de ser "Um poeta de Ponta" (nome do meu 1º livro, em prosa) e passará a ter a denominação de "O poeta" (em referência ao meu livro de poesia/novela). Dentre outras modificações.
Então, aguardem!

Um abraço a todos.

JONAS FURTADO

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Amor no ar

Tinha conhecimento de que ela estava ao redor, radiante.
      Na sede do município ouvia falar muito bem dela; foi quando, lá, ao passar por uma casa que ela visitava, escutei seu som alto e vibrante. Foi amor à primeira cantada.
      Mas fiquei triste porque onde moro não conseguia captá-la; não parei de pensar nela.
     Um dia, resolvi esticar o fio, improvisando no cajueiro ao lado: fiquei de antena ligada. Assim, ela entrou em minha casa falando e cantando, altiva, e me encantou.
     Desde então não me desliguei mais dela. Todo dia sintonizo a rádio Itaguary de Ponta de Pedras. Que alegria enfim!


Jonas Furtado

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O velho e o livro

Aconteceu no Centro 4, em Belém. Aguardava o resultado de uns exames laboratoriais e, enquanto esperava, observava, ainda que sem interesse algum, a movimentação naquela manhã de nove horas já. Umas conversas numa fila não muito longa adiante; funcionários que chegavam e passavam com papeletas, outros com vassouras e panos de chão...; aquele típico dia de batente numa repartição pública. Eu sentado num banco comprido, recostado à parede; em uma das pontas (quase não notei) também um velho de óculos, trajando camisa branca e bermuda, tinha um objeto debaixo de um dos braços. Num descuido, ele desapareceu (ou eu não dei caso?).
Voltei ao balcão: Sai às dez horas, disse a atenciosa atendente.
Resolvi andar para que a paciência não se impacientasse, não fosse embora de mim.
No saguão da entrada, um rosto conhecido..., uma conterrânea. Os raros dias que passava na Capital sempre me revelavam pessoas de minha cidade que vinham estudar, procurar médico (como eu), ou ganhar a vida. Era olhar pela janela dos ônibus e descobrir gente... Agora, essa do posto. Ela primeiro me viu; cumprimentou-me. Estava ali vendendo livros e convidou-me para uma olhadela. Taí algo que me chama a atenção: livro. E sobre a tabuleta uma juntada deles; havia mini-dicionários, revistas, CDs de literatura infantil e até um que ensinava inglês. Folheava uma enciclopédia enquanto a conversa mal fluía. Nisso, o velho reaparece, agora a espiar para a banqueta de livros como a procurar... o quê? Não encontra.
Eu estava ali para saber do motivo de uma crescente palidez. Sobressalto-me com a ralhação do velho que mostrava um livro que acabara de tirar debaixo do braço; pronunciou um discurso apaixonado em favor desse livro: “Este sim é coisa que se deve ler, um livro nosso, valoroso, conhecedor de gente de verdade,...”
Antes que se aglomerassem curiosos, o velho, como veio, se foi... Já recuperado, sentindo o sangue corando minha tez, perguntei a minha conhecida o nome do livro que o tal homem recomendara tão veemente; não sabia ela. Uma senhora, com um sorriso de bonomia, diria até familiar, toca em meu ombro: “Era um Dalcídio, meu filho”.
Isso foi pelos idos de 97, 98. Já tinha lido “Marajó” e “Chove nos campos de Cachoeira”. Volto-me para a conterrânea (que nunca ouvira falar de Dalcídio Jurandir, até então) que franzia a testa como a perguntar algo, e então confirmo que o velho estava correto, cheio de razão.
Hoje, quando percebo os esforços dos amantes de literatura, estudantes..., quando vejo surgir associações em torno dos assuntos de nossa região, que tentam somar, resgatar nossa cultura, nossa história..., pessoas com gosto de viver o presente tendo a certeza de já existir no futuro um caminho..., me vem a voz daquele velho, ecoando ainda e sendo de certo ouvida.

Fogo fátuo

Diz a lenda que uma grande cobra chegou ao município de Ponta de Pedras e mundiou a maior parte dos habitantes. Em pouco tempo, o lugar ficou infestado de cobras menores, também peçonhentas. Esses animais estavam sugando os sustentos que o município recebia.
Um dia, a cobra maior começou a se inflamar com os protestos da outra parte da população, descontente com a situação. As revoltas aumentavam e faziam arder as fuças da besta-fera. A chama cresceu e, numa noite fervorosa, incendiou a podridão que assolava, astutamente, a cidade; o fogo pôde ser visto a centenas de metros de distância.
No dia seguinte, todos, ainda aturdidos, comemoravam a quebra do encantamento. Mas estariam livres daquele mal? Enganaram-se.
As cobras menores agitaram-se em seus ninhos; a víbora ressurgiu das cinzas (mas como não era ave...) no corpo de outra peçonha maior e a história quase se repetia. Quase.
Desta feita, a flama da população continha a magia suprema da força do bem, que detonou as intenções daquele monstro horrível. A cidade se livrou enfim.
E o monstro? Parece, vive como uma mula, botando fogo pelas ventas, dizem que reparando o mal que cometeu. Tem gente que duvida.
Mas, para que essa catástrofe não volte ao solo pontapedrense, deve-se contar essa história por várias gerações.