Escrito...

A minha literatura diz e não diz: diz porque, no momento de aspersão inspiradora, (quase) se nota uma fisgada de incomodidade, uma crítica sutil, para que a poesia floresça... Não diz porque as inquietações são dialéticas - parte de cada leitor -, o que se vive, sonha, pensa e sente...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Um poeta de Ponta (1ª parte)


Acabara de ler o regulamento. Pela primeira vez admitia-se inscrever poemas de forma fixa. Todo poeta de verdade deveria ser capaz de compor um soneto.

Mas sobre o que escreveria este ano?

Pegou um bloco de papel, uma caneta e foi ao trapiche municipal. A tarde estava mole e as ruas da cidade alimentavam uma lassidão nas casas.

Epa! O trapiche está sendo reconstruído. Ah, o velho trapiche que nas madrugadas desertas mais parecia uma cobra-grande ressonando na mansidão das águas escuras do Marajó-açu... Desviou o olhar. Avistou as mangueiras em frente à escola Aureliana; dirigiu-se para lá. Ao pé de uma imponente árvore, buscava a inspiração de que precisava. Nada, não saía nada.

Resolveu ir para a praça Antônio Malato. Ficou contemplando por algum momento as ruínas da antiga Prefeitura. Talvez devesse rascunhar um poema sobre a grandeza desse outrora Palácio Municipal. Outros já o fizeram em verso e prosa?! Já o têm como símbolo, hoje, de um tempo político devassador, hostil? Foi a tomada da Bastilha, a nossa Revolução Francesa!

Preferiu não. Melhor buscar outro assunto, outro fato.

Caminhou em direção ao cemitério. Um outro poeta já falou de seu mistério.

Buscava, então, algo de “altaneiro”? Queria a majestade de um município que reina “sob a imensidão do céu marajoara” (mencionando Sandoval Teixeira, músico que agora está sendo lembrado pela Associação Musical Antônio Malato)? E falando em AMAM, maravilha sentir os frutos dessa importantíssima instituição muito bem representada por seus músicos, em especial, o professor regente Marcelo Tavares; por meio de seu trabalho, ela ganha notoriedade no Pará e no Brasil. Essa entidade sim, admitiu mentalmente nosso poeta, tem merecimento de um poema em sua homenagem. Mas o quê? Nada, não é desta vez.

Continuou a vagar pela cidade. As ruas agora já apresentam algum movimento.

Suplicou às musas do Parnaso, em frente ao campo de futebol: fazer uma obra em que figurem Marcenaria, Acadêmicos, Pedregulho e outros clubes do município...; seria uma boa idéia? Pouco se interessou pelos jogos na região; para ele, só existiam Paysandu e Remo, e a Seleção Brasileira.

O passeio já estava alongando. Todavia, caminhar parecia ser a melhor saída para conseguir o mais belo poema e poder assim concorrer.

Lembrou-se de nosso açaí, de nosso camarão, e arriscou uma quadra:

Ah, cheiro da brasa e cheiro do tucupi

Estão assando camarão lá no quintal

Vejo os espetos da tala de jupati

-Movimentos típicos perto do jirau

Nada mau, achou. Mas faltava o açaí; faltava a gente cabocla. Tentou mais quatro versos:

Então me convida a dona Marianinha

Que sabe amassar o açaí no alguidar

E me aponta com a boca em bico a farinha

-Que bom uma comunidade visitar!

Gostou das rimas e do metro. Voltou a andar. Aproximara-se do Arapinã. Leu, releu as duas estrofes. Preciso melhorar. Vão me criticar por esses versos batidos e com pouca imaginação. Embolou o papel e enfiou no bolso.

Atravessou pela ponte. Das canoas atracadas ouviam-se as vassouradas que os tripulantes davam no fundo dos cascos das embarcações: era a faxina depois da viagem. Não quis parar. Pessoas o notavam agora. Prosseguiu nosso inconcusso poeta, rabiscando, andando.

No campo de aviação, imaginou o pouso suave de uma deusa que lhe traria a palavra exata, a colocação perfeita; o ritmo fluiria e quando percebesse, lá estaria o seu melhor poema, com sua mais sublime poesia.

Folhas de papel em branco acenavam ao vento. Tentou novamente:

Tem Praia Grande, Vila Nova e Mangabeira

Cajueiro, Cucuíra e Jagarajó

Vejo canoas e igarités lá na beira

E vejo o caboclo atolado no igapó


Ora, vejam só! Uma canção! Gonçalves Dias se importaria?

Não. Cento e vinte e oito anos merecem bem mais que só exaltação. Embolou essa folha também. Bolso!

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