Escrito...

A minha literatura diz e não diz: diz porque, no momento de aspersão inspiradora, (quase) se nota uma fisgada de incomodidade, uma crítica sutil, para que a poesia floresça... Não diz porque as inquietações são dialéticas - parte de cada leitor -, o que se vive, sonha, pensa e sente...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Um poeta de Ponta (2ª parte)




Precisaria de um poema com crítica social, como aqueles que Castro Alves soube, com inflamação, declamar na denúncia da situação indigna dos negros. A poesia serve também para denunciar as mazelas da sociedade. E tentou:

Meninos da Matriz

da peteca e da bola

da mão indo ao nariz

a terra vai e cola


Meninos da manhã

que vendem unha e “chopp”


Esperem! Necessitava de versos com um mínimo de dez sílabas métricas; esses (não sei como conseguiu sem escandir) continham apenas seis. O tema era bom; ainda bem que o Conselho Tutelar já age nesse assunto socialmente vergonhoso, e há um programa do governo muito bom que tenta erradicar o trabalho infantil em nosso município. Esse poema seria só mais uma denúncia?!
A lembrança passeou agora pela ironia, às vezes sarcástica, de Matos Guerra e questionou, como ele fizera há séculos, sobre a honra, a verdade que poderia estar nos faltando. Lembrar-me-ão também como um “Boca do inferno”? Tentaria ser mais sutil, porém:

Ó cidadezinha filha da fruta

Da fruta que teus próprios filhos comem

Quais os homens que tomam a batuta

E nessa luta quantos te consomem?

Certamente Cazuza aprovaria, pensou. Mas nosso cauto poeta queria algo que encantasse a todos, que quem lesse pudesse dizer “Meu Deus, nunca vi lugar-comum tão poeticamente bem arquitetado!”; e pudesse suspirar singularmente satisfeito.

Sua mente teimou em rever os assuntos e as riquezas de nosso mundinho: dança folclórica, festa do boi-bumbá, enraizadas e muito bem alimentadas pelo professor Aristeu; encantamento de boto e de mãe-do-mato, sobre os quais os professores Edinelson, Cristina, Jorge e Ló já devem ter contado; a cerâmica insiste, resiste nas mãos do Anaías, do Carlos, do Assis e do Adelino; Enfim, as aflições humanas, a hipocrisia de alguns etc., tudo isso o nosso escritor maior - Dalcídio - magistralmente já se enveredou. Maravilhoso que hoje as artes em Ponta de Pedras ganham com o aumento do mecenato; cita-se, como exemplo, a dona Regina que está resgatando nosso teatro.

Nosso poeta voltou os olhos para o bloco novamente. Apelou para o trabalho árduo, forçando um poema a se desprender, sabe-se lá de onde; quis martelá-lo, limá-lo conforme fizeram alguns parnasianos, e o que conseguiu foi um escrito artificial e ornado.

Definitivamente, este ano não participaria do concurso de poesia da cidade. Desistiria?

Ah, o amor por sua terra era tamanho que não admitiria ter falhado na empreita de que tanto já havia se orgulhado.

O sol agora beijava as árvores lá na curva do estradão. Guardou o bloco e a caneta. O semblante mostrou uma expressão de alívio (pensava ele em uma outra oportunidade feliz?). E no retorno a sua casa, cantarolava algo de que não se dera conta que ele mesmo compusera... assim:

Amo-te tanto tanto, de um amar sem fim

E não julgo nunca terminar esse atrito

Que muito faz desse amor o infinito

Que o próprio amor que tenho e sinto por mim.

Seria uma força inconsciente que o impelia a não desistir? Ah, nosso poeta de Ponta estava destinado a isso, sim.
(1º lugar no concurso literário de Ponta de Pedras)

Nenhum comentário:

Postar um comentário